sábado, 23 de maio de 2009

Coelhinhos, pelo Brasil

Mauro Chaves
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Apesar de serem muito bons os prognósticos médicos de recuperação da ministra e pré-candidata do presidente Lula à sua sucessão, o pavor de perder o poder federal na eleição presidencial de 2010, por falta de candidato viável, tem levado muitos aliados governistas ao anseio alucinado de um plano B, que seria a candidatura de Lula a um terceiro mandato, por meio de mudança constitucional estribada em plebiscito ou referendo popular. Os mais recentes defensores da tese são o senador e ex-presidente Fernando Collor e o deputado cassado Roberto Jefferson - cujos notórios perfis dispensam maiores comentários.

Por um simbolismo numerológico típico do "país da piada pronta" - expressão do inspirado macaco Simão -, o número de assinaturas que o deputado Jackson Barreto conseguiu para a proposta de emenda constitucional (PEC) que pretende apresentar na Câmara no fim deste mês, permitindo um terceiro mandato consecutivo para o presidente da República, governadores e prefeitos, é, precisamente, 171 - número do artigo do Código Penal que a bandidagem usa como qualificativo profissional.

A propósito, uma análise do texto desse artigo ilumina toda a circunstância da cena política brasileira contemporânea. Senão, vejamos: Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio... - não é, justamente, o que fazem os participantes da farra das passagens aéreas, em favor de si mesmos, de seus parentes e apaniguados, assim como os que se lambuzam de suas verbas indenizatórias, da mesma forma que os mensaleiros, sanguessugas, vampiros, aloprados e portadores de dólares na cueca se refestelaram de grana pública, em notório prejuízo alheio, que por acaso vem a ser um prejuízo causado a todo o povo brasileiro?

...induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento... - não é, justamente, o método de assegurar votos pela esmola do Bolsa-Família, sem porta de saída para a atividade produtiva, ou pelo sistema de cotas, que faz a implosão do esforço de aprendizagem e da promoção segundo o mérito, ou do aparelhamento (partidário, ideológico), que substitui a competência técnico-administrativa pela capacidade de articular estratagemas políticos de manutenção de postos na administração, a qualquer custo? Não parece que abundam meios fraudulentos - seja em sentido concreto ou figurado - na manutenção de índices recordistas de popularidade, enquanto princípios e valores profundos da sociedade vão sendo destroçados em ritmo galopante, em meio a uma complacência geral, lânguida e acovardada?

É verdade que o presidente Lula já negou, enfaticamente, a hipótese de um terceiro mandato, usando para isso, aliás, uma frase feliz (o que nem sempre lhe é habitual): "Não se brinca com democracia." E lá de Pequim, de novo, mandou recado repudiando especulações em torno de um terceiro mandato. O problema é que em nossa história política recente já houve quem surpreendesse com a brincadeira institucional antes desmentida. O general Castelo Branco, tendo virado presidente da República, repudiava a prorrogação do próprio mandato e dizia, com todas as ênfases: "Aos meus amigos peço, aos meus comandados ordeno: não me falem em prorrogação." Mas depois de muita insistência de seus áulicos, "docemente constrangido" (expressão antológica de Carlos Lacerda), Castelo sucumbiu à "exigência popular" de continuar presidente da República, para que não se interrompessem os "programas essenciais" de governo que apenas sua liderança, naquele momento, teria condições de sustentar.

A ministra Dilma tem razão quando diz que misturar candidatura com doença é de mau gosto. Só que não pode culpar a oposição por uma coisa nem por outra. Maus gostos à parte - e esses são frequentes em nosso cenário político -, toda a ansiedade da base governista, ante as incertezas de um projeto de continuidade no poder assentado na saúde problemática de uma só pessoa (mesmo com bons prognósticos de recuperação), decorre, fundamentalmente, de uma desastrada antecipação de campanha presidencial. Certamente a saúde de quem exerce importante função ministerial é de real interesse público. Incomparavelmente maior, no entanto, será o interesse pelas condições de saúde de quem tenha sido escalada para carregar o pesado fardo das ambições de continuidade no poder dos que nele se encastelaram com sede de desfrute insaciável.

Enquanto a ministra tem procurado dar informações sobre seu processo de tratamento com louvável transparência, seus aliados fazem declarações bombásticas sobre a confiança em sua recuperação e a firmeza de sua candidatura presidencial, mas, na surdina, inebriados de espasmos de insegurança, discutem a necessidade da montagem de um plano B de sucessão presidencial, para a própria sobrevivência político-eleitoral. É nesse clima de incerteza, em que muitos se sentem entrando numa terrível zona de risco de perda do poder, que retorna a ideia do terceiro mandato presidencial - sob o simbolismo numerológico do 171.

A aposta dos que, da base de apoio do governo, dizem pra fora que "o terceiro mandato é a Dilma", mas pra dentro acham que é Lula mesmo, é a de que o constrangimento presidencial já esteja passando por um processo de adoçamento. O argumento mais forte contra essa ideia, no entanto, é o que disse o presidente Lula quando indagado sobre o que faria ao encerrar seu segundo mandato: "Não vejo a hora de assar meus coelhinhos." Donde se conclui que a democracia brasileira pode ser salva pelos coelhinhos - não os tirados de uma cartola, mas os postos para assar numa patriótica churrasqueira.

Mauro Chaves é jornalista, advogado, escritor, administrador de empresas e pintor.

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