domingo, 24 de maio de 2009

Contratos com ONGs mostram falha no controle da Petrobras

Dimmi Amora e Maiá Menezes
Rio e Aracaju
DEU EM O GLOBO

A Petrobras repassou R$ 609 milhões, sem licitação, para financiar 1.100 contratos com ONGs, patrocínios, festas e congressos nos últimos 12 meses. Só com organizações da sociedade civil, foram 230 convênios de R$ 83 milhões. Análise de amostra destes contratos revela que falta controle dos recursos repassados: entre os beneficiados há desde entidades cujo endereço não existe até outras que pararam de funcionar ou são ligadas a políticos aliados do governo. A Associação Comunitária Carlos Pontes, beneficiada com R$ 317 mil, pertence a um suplente de vereador em Duque de Caxias que, na última eleição, foi autuado por distribuição de cestas básicas no local. Nos repasses a estados e municípios, petistas são os principais beneficiados com verba de projetos para a infância: 35% do total previsto para este ano. A Petrobras diz que os repasses obedecem a uma seleção e que não há critério partidário nos contratos com prefeituras.

Investimentos sem retorno garantido

Em um ano, Petrobras repassou R$ 609 milhões, sem licitação, para entidades; fiscalização tem falhas

Até duas semanas atrás, uma casa pequena na Pavuna, bairro pobre na Zona Norte do Rio, ocupava crianças após o horário escolar com atividades e cursos. No portão, uma placa mostra que o projeto tinha um poderoso padrinho: a Petrobras. A maior empresa do país, de acordo com seu site, tem em vigor dois contratos somando R$ 1,1 milhão com a Organização Brasileira de Recuperação e Amparo Infantil (Obrai), que deveria estar beneficiando 150 crianças na região. Mas, sob a placa, o portão está trancado. Há 15 dias, ninguém aparece no local. Só os alunos que, segundo os vizinhos, voltam para casa frustrados.

A análise de uma amostra dos cerca de 230 contratos entre a Petrobras e organizações da sociedade civil (ONGs e Oscips) nos últimos 12 meses, disponíveis no site da empresa, mostra que a estatal está usando seu dinheiro em apoio a projetos que estão longe de realizar a transformação social pretendida. Eles somam gastos de R$ 83 milhões, sem licitação. Além dos contratos com ONGs, convênios para patrocínios, festas, congressos, entre outros, chegam a 1.100, que somam R$ 609 milhões. O GLOBO identificou, entre os maiores beneficiados pelos recursos, ONGs ligadas a petistas, ao MST e até a um centro social de vereadores. Dos 20 maiores contratos do gênero, quatro foram feitos com entidades ligadas ao partido (e dez são com entidades de universidades ou do governo).

Para a Petrobras, o contrato com a Obrai destinase “a ampliar o atendimento educacional, nutricional e sociocultural” de 150 crianças. A ONG tem acordo com a empresa desde 2006, sendo que dois contratos estão em vigor. Cristina de Souza, vizinha do prédio, conta que o projeto já havia sido interrompido outras duas vezes no pouco mais de um ano em que esteve ali. E que era comum, quando estava funcionando, que a entidade fechasse por alguns dias sem avisar os pais e alunos, que davam de cara na porta.

— Eles cuidavam bem de umas 30 crianças por turno. Mas não sei por que pararam. A dona do prédio está cobrando aluguel atrasado deles há três meses — disse Cristina.

O investimento da Petrobras nessas entidades também pode estar se revertendo em benefício para políticos. Uma das beneficiadas é a Associação Comunitária Carlos Pontes (ACP), de Carlos Pontes, suplente de vereador em Duque de Caxias. Na eleição passada, ele teve cestas básicas apreendidas no local. Eduardo Pontes, filho de Carlos, coordena o projeto que, segundo ele, é realizado em sete comunidades há um ano, com contrato de R$ 317 mil. Mas, afirma, os 22 funcionários do projeto terão uma festa de despedida neste domingo: — Não sabemos se a Petrobras vai renovar o contrato. Mas muitos vão continuar o trabalho, que já existia antes, porque eram voluntários.

Petista diz que paga por ser do partido

O Instituto Viver de Proteção Social, criado pelo vereador de Aracaju Robson Viana (PT) e dirigido por seu irmão, César Viana, tem um contrato de R$ 240 mil em vigor com a Petrobras.

Os recursos financeiros seriam para o projeto “Inclusão social através do esporte e lazer”. Mas, mesmo com a existência do contrato, César Viana nega que tenha recebido dinheiro da estatal.

Em Aracaju, outro projeto beneficiado é o “Missão Criança” do Instituto Recriando, criado pela mulher do governador Marcelo Déda (PT), Eliane Aquino. Em 2006, o instituto recebeu R$ 593 mil. E em julho de 2008 teve novo contrato de mais R$ 451 mil. Na ONG, a informação é que Eliane está oficialmente afastada da direção.

Outra beneficiada, com valor de R$ 1,1 milhão, é a Organização Brasileira Para o Desenvolvimento de Ações Sociais (Obras). A ONG realiza um projeto de inclusão social na Vila Cruzeiro, favela na Zona Norte do Rio, com quatro cursos para 600 jovens ao ano, segundo Frederico Boquimpani, coordenador do programa. Ela já havia sido beneficiada com uma emenda parlamentar do deputado licenciado e hoje ministro da Igualdade Racial, Edson Santos, de R$ 500 mil. O endereço oficial da entidade é o de um ex-funcionário e ex-doador de campanha do deputado, e não há registro de que ali funcione a Obras.

Já o Centro de Articulações de Populações Marginalizadas (Ceap) recebeu R$ 1,9 milhão para o projeto “Camélia da Liberdade” e é dirigido há 20 anos por Ivanir dos Santos, ex-candidato a deputado pelo PT. Ivanir afirmou que o partido não abriu as portas para ele na Petrobras: — Pago um ônus por ser petista.

A Fundação Centro de Referência, que recebeu R$ 1,5 milhão para o projeto “Quilombola Venha Ler”, é dirigida pela petista mineira Cleide Hilda de Lima. Ela disse que desde 2006 tenta realizar o projeto com a Petrobras e que sua ligação com o PT não tem relação com a entidade. A Cooperativa Mista Agropecuária de Vitória da Conquista, que recebeu R$ 984 mil para o “Desenvolvimento Solidário”, é presidida pelo petista Izaltiene Rodrigues Gomes. Ele afirmou que o projeto passou por todas as análises da Petrobras e que ser do MST e do PT em nada influenciou.

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