segunda-feira, 18 de maio de 2009

Dos movimentos sociais às casernas

César Felício
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Nunca antes na história deste país, em tempos democráticos, a esquerda em relação ao poder central se sentiu em tanta dificuldade para estruturar um projeto eleitoral. O P-SOL começa a discutir a nova candidatura presidencial de sua líder maior, a vereadora em Maceió Heloísa Helena, com maioria de seus membros consciente de que a eleição presidencial de 2010 não se dará exatamente sob um signo de pós-lulismo.

Na visão hegemônica entre as onze teses partidárias que estão em discussão, Luiz Inácio Lula da Silva é traçado como um Perón [Juan Domingo Perón, presidente da Argentina em dois mandatos, de 1946 a 1955 e de 1973 a 1974] mais sofisticado, que se desenvolveu integralmente dentro da institucionalidade democrática, e exatamente por isso, melhor sucedido tanto na conciliação que promoveria entre setores empresariais com as classes mais pobres quanto na desmobilização que provocaria em movimentos sociais e na esquerda, de forma geral.

Das onze teses que serão discutidas no congresso do partido em agosto, a mais cautelosa é a assinada pelo deputado federal Chico Alencar (RJ) e subscrita por intelectuais fluminenses como Carlos Nelson Coutinho, Leandro Konder e Cid Benjamin.

"Reconheçamos que nosso espaço como autênticos e coerentes não está dado, nem a desilusão com uma esquerda enganosa é tão ampla como imaginávamos", afirma o documento. E a análise sobre o que ocorreu em 2008, quando a esquerda a Lula não conseguiu eleger um único prefeito, é desalentadora: "Sobrevivemos a duríssimas penas", conclui.

O documento prevê que a crise econômica deve levar a uma instabilidade social, mas não aposta sobre o reflexo no cenário político. E por isso prescreve para 2010 o lançamento de Heloísa Helena, "uma joia preciosa" e a continuidade do discurso anti-corrupção que marcou sua campanha de 2006.

Chico Alencar admite que este discurso encerra a armadilha de aumentar a exposição do partido a denúncias. "Conosco nenhum deslize deixa de ter visibilidade e é perdoado", afirma. A vereadora, por exemplo, frequentou o noticiário por ter cedido passagens do resíduo de sua cota parlamentar, mesmo encerrado o mandato, para o filho viajar. Algo legal, mas que a coloca junto da legião congressual que enfrenta acusações de natureza parecida.

Heloísa Helena ainda defende-se na Justiça de uma cobrança fiscal sobre os recursos que recebeu a título de verba indenizatória quando era deputada estadual em Alagoas. Alencar afirma que a dívida preocupa, caso a vereadora seja derrotada judicialmente. "Entendemos que é razoável que, a depender do montante da dívida, o partido assuma este encargo", afirmou.

Na mesma vertente de Alencar, a deputada Luciana Genro (RS) subscreve uma tese que propõe movimentos mais ousados. Luciana é do grupo que demonstra maior entusiasmo com a possibilidade de ter o delegado da Polícia Federal Protógenes Queiroz como companheiro de lutas. E apoia manifestações políticas de militares na ativa: "Se a luta contra a corrupção pode ser definida como o elo mais débil da luta contra o regime, não é a única expressão de fissura.

Dentro das Forças Armadas, chamamos a atenção para processos em curso, ainda subterrâneos, mas decisivos para a armação de uma estratégia de combate", consta no documento.

O documento cita a greve dos controladores aéreos de 2007, os movimentos reivindicatórios de policiais e até o casal de sargentos gays que foi capa de revista recentemente, para em seguida centrar-se em um ponto: "Um grupo de capitães desenvolve em todo país, em torno de reivindicações democráticas, a defesa do direito à manifestação política e parlamentar dos militares". Conclui afirmando que este "é um processo novo, extremamente rico". O retrospecto do que significou na América Latina a luta política dentro de quartéis autoriza a considerar aterrorizante o que pode significar este processo "extremamente rico".

Nascido de uma dissidência do PT, o P-SOL lança-se ainda a procura de base social. Chama a atenção a tese subscrita pelo deputado federal Ivan Valente (SP), que propõe criar, o quanto antes, núcleos como o das mulheres, o dos negros, o da juventude e o sindical, ainda ausentes.

E lamenta o sectarismo: afirma que em vários estados "há sabatinas e testes ideológicos" para se permitirem filiações.

O núcleo minoritário do P-SOL é o que enxerga 2010 apenas como uma oportunidade de acumulação de forças para a luta revolucionário. Este núcleo é o que enxerga com maior ceticismo o discurso anti-corrupção. A formulação mais incisiva é feita na tese subscrita pelo ex-deputado federal Plínio de Arruda Sampaio. "Uma resposta efetiva dos socialistas não pode ter como eixo central a questão da corrupção", diz o texto. "Um programa que se limita à denúncia da falta da ética confunde o perfil do partido com a direita", conclui. O texto da tese de Arruda Sampaio propõe um programa para marcar posição: reestatização da Vale e da Embraer, tomada de controle das empresas que fazem demissões, suspensão do pagamento da dívida e até ruptura de relações com Israel.

Tal como acontecia no velho PT, onde Lula pairava acima de todas as tendências, Heloísa Helena não subscreve tese alguma. E como na história inicial petista, as teses significam apenas o ponto de partida inicial em um complexo processo que deve gerar um documento inteiramente novo após o Congresso. Para quem considera a discurseira dos integrantes do P-SOL irrelevante, vale a pena lembrar que o anemismo de 2008 não se reflete no prestígio da vereadora: Heloísa Helena teve 6% dos votos em 2006, o suficiente para levar a eleição presidencial de então para o segundo turno. E aparece agora com aproximadamente o dobro em pesquisas de intenção de voto, um "recall" alto. Está longe de falar sozinha.

César Felício é correspondente em Belo Horizonte. O titular da coluna, Fábio Wanderley Reis, não escreve hoje excepcionalmente

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