domingo, 10 de maio de 2009

Enfim, todos iguais

Alberto Dines
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Em que momento começa a ruína de uma tribo, empresa, nação, ou colossal potência? Edward Gibbons, pai da história moderna, na Ascensão e queda do Império Romano ofereceu indícios, mas como era um iluminista, portanto cético, preferiu investigar as razões para a sua incrível duração.

Sem Gibbons, porém abastecidos pelas inquirições empíricas da vida moderna, percebemos algumas respostas: o declínio de uma sociedade torna-se irreversível quando a degradação dos costumes incorpora-se ao ambiente. Quando deixa de chamar a atenção, não se destaca ou provoca indignação, fica evidente que a depravação calou o senso crítico. Consumou-se.

Não estamos longe disso: as revelações sobre a farra das passagens aéreas seriam irrelevantes, marginais, se limitadas a um grupo de parlamentares, digamos o baixo clero, os 300 “picaretas” da famosa catilinária proferida pelo ex-deputado Lula da Silva ou a corte de malandros que escolheu e deu suporte a Severino Cavalcante, defenestrado em 2005 da presidência da Câmara de Deputados.

O desfile de revelações diárias tem ramificações mais amplas e chocantes. A infecção contaminou a estrutura da nossa representação política: a farta distribuição e o tráfico de passagens aéreas criaram a brecha, o buraco na parede através do qual somos forçados a vislumbrar a deterioração do nosso edifício legislativo.

Não é necessário convocar um guru de administração pública para diagnosticar o que se passa naquele vértice da Praça dos Três Poderes: lá não se legisla, lá se cuida apenas de produzir benefícios em causa própria. A administração dos privilégios dos parlamentares converteu-se numa atividade-fim. Com o pretexto da pauta trancada pelas medidas provisórias, os parlamentares não precisam comparecer ao plenário ou às comissões. Batem o ponto às terças e quintas, nos intervalos cuidam das respectivas lojas – seus gabinetes – apinhadas de assessores imersos no sacrossanto dever de zelar pelos interesses pessoais. Seus e dos respectivos patrões.

A máquina legislativa está inchada porque é preciso gastar as dotações orçamentárias, não há interesse em economizar, buscar eficiência, oferecer estímulos edificantes, produzir convocações, moralizar. As mesas do Senado e da Câmara não estão preocupadas com o Brasil, estão preocupadas em safar-se das críticas dos brasileiros.

Metade do País está afogada em enchentes, a outra metade seca sem chuvas, a conjuntura econômica é preocupante, a insegurança conseguiu o milagre de igualar cidades e periferias, os serviços públicos e privados enxovalham os usuários, mas os microfones dos plenários permanecem emudecidos. A eloqüência foi aposentada pela licenciosidade. No lugar de orações ou perorações, conchavos. Como esta cretinice de propor uma reforma política e eleitoral sem mexer na ilegitimidade partidária.

A culpa é dos outros, ninguém é responsável pelo descalabro porque o descalabro generalizou-se, indetectável. Neste quadro desastroso entra em campo o presidente da República, Lula, o Fenômeno. Incumbido pelos parceiros políticos a apagar o incêndio institucional saiu-se com estas perturbadoras constatações: “sempre foi assim”, “isso não é crime”, “a imprensa está dando dimensão demais para uma coisa que pode ser corrigida pela mesa”, “temos coisas mais importantes para discutir no Congresso”.

Como se não bastasse, classificou o clima indignado de “hipocrisia” e aderiu à bagunça confessando que quando era deputado ofereceu passagens da sua quota a dirigentes sindicais. Instado pela base aliada, bem intencionado, o ehefe do Executivo pretendia esvaziar uma crise que paralisa o Legislativo desde o início de fevereiro. Só conseguiu dramatizá-la.

Com o seu testemunho, o presidente Lula desenhou um quadro ainda mais tétrico e perturbador: ao invés de contribuir para a sua erradicação, ajudou a legitimar as irregularidades. Ofereceu-lhes uma anistia. Socializou o descalabro, homogeneizou as malfeitorias. Tornou sem efeito um ímpeto cívico, saneador, extremamente positivo porque não-ideológico e apartidário. Talvez o último antes da anestesia geral.

» Alberto Dines é jornalista

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