sábado, 30 de maio de 2009

''Hoje, no Brasil, só uma pessoa faz política: Lula''. Entrevista especial com Luiz Werneck Vianna

DEU NO INSTITUTO HUMANISTA UNISINO

"O movimento social foi cooptado e trazido para dentro do Estado que, a partir daí, exerce essa influência. O MST, os sindicatos, o movimento negro, estão todos dentro do aparelho do Estado. E lá eles se neutralizam", constata o pesquisador do Iuperj.

Pensando nas eleições presidenciais de 2010, o professor Luiz Werneck Vianna defende que, em função da semelhança entre os principais candidatos até então, José Serra e Dilma Rousseff, “não se discutirá política nem quais rumos seriam melhores para o país, mas sim administração”. Para ele, a sucessão de Lula, “a continuar nesta toada, neste andamento, será muito pouco emocionante e dramática, alcançando mais a continuidade do existente do que a descoberta de novos caminhos”. E completa: “O horizonte de 2010 mostra que a disputa política, de projetos alternativos, para o país não terá uma presença muito forte”.

Na entrevista, concedida por telefone à IHU On-Line, Werneck Vianna ainda identifica um claro domínio da vida partidária, política e eleitoral brasileira por dois partidos: PT e PSDB. “Embora, nenhum deles possa se intitular como o maior partido brasileiro, tanto um como o outro, para vencerem, precisam de um terceiro partido: o PMDB. O que os aproxima mais ainda”, argumenta. E, reiterando uma opinião que defende há mais tempo, o professor repete: “hoje, no Brasil, só uma pessoa faz política: o Lula. É o único que tem os condões efetivos da política nas mãos. O resto da sociedade está destituído da capacidade de fazer política real. Temos a política de um só”.

Luiz Werneck Vianna é professor pesquisador do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj). Doutor em Sociologia, pela Universidade de São Paulo, é autor de, entre outros, A revolução passiva: iberismo e americanismo no Brasil (2ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2004), A judicialização da política e das relações sociais no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1999), Democracia e os três poderes no Brasil (Belo Horizonte: UFMG, 2002) e Esquerda brasileira e tradição republicana: estudos de conjuntura sobre a era FHC-Lula (Rio de Janeiro: Revan, 2006).

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Como o senhor vê a possibilidade de um terceiro mandato de Lula?

Werneck Vianna – Seria uma solução infeliz para os rumos da sociedade e da democracia brasileira. Não vejo o que justificaria isso do ponto de vista político, físico, econômico e social. Não vejo motivo, a não ser a manutenção do que já vem ocorrendo.

IHU On-Line – Considerando a opção entre Dilma Rousseff e um possível terceiro mandato de Lula, como fica o PT hoje?

Werneck Vianna – Ele já abdicou há algum tempo de um papel mais autônomo. Tornou-se cativo do governo, do presidente, perdeu inteiramente a capacidade de agir autonomamente. Isso se é que, alguma vez, o PT, como partido, teve condições de agir a partir de deliberação própria. Ele sempre esteve muito dependente da ação seletiva e arbitral do Lula. Precisamos considerar, aqui, uma frente de vários segmentos e de pendências, como, por exemplo, a esquerda católica, o pessoal da outra esquerda que vinha da luta armada, o sindicalismo do ABC, uma intelectualidade mais antiga (tipo Sérgio Buarque, Florestan Fernandes, Raimundo Faoro), que tinha expectativas em relação a um partido de novo tipo. O PT sempre agasalhou essas pendências, e a única pessoa capaz de mantê-las unidas em torno de um projeto comum é Lula. O PT está em uma encruzilhada muito difícil. Ele precisa se afirmar autonomamente diante da máquina do Estado, diante da sua liderança maior, ou, então, perderá as credenciais que já teve, de ser o novo e representar os movimentos sociais, o que já vem acontecendo, visto que esses estão todos dentro do Estado.

IHU On-Line – Pensando ainda nas eleições presidenciais de 2010 e no cenário constituído pela disputa entre José Serra e Dilma Rousseff, o senhor identifica diferenças do ponto de vista da política econômica entre eles ou, independente de quem vencer, tudo continuará igual?

Werneck Vianna – Dilma e Serra têm um perfil muito semelhante, de administradores públicos, de técnicos competentes. São pessoas operativas, eficientes. Os dois são testados em posições difíceis (Ministério da Saúde e da Casa Civil). Não vejo maior distância entre os candidatos, não. Ambos têm uma visão da questão nacional bem definida e são valorizadores do papel do Estado. No entanto, se os governos deles seriam parecidos em função dessas semelhanças, acho que não. Diferenças haveria. É claro que o peso de São Paulo, no caso de Serra ser o vencedor, terá muita significação. E, no caso da Dilma, ela não está encravada nos movimentos sociais. Com a Dilma, talvez se possa imaginar um papel mais desenvolto do Estado e das suas agências.

IHU On-Line – Quais são suas perspectivas de forma geral para as eleições de 2010?

Werneck Vianna – O fato é que o horizonte de 2010 mostra que a disputa política, de projetos alternativos para o país, não terá uma presença muito forte. Inclusive em razão da similitude dos dois principais candidatos até então. Não se discutirá política nem quais rumos seriam melhores para o país, mas sim administração. Essa sucessão, a continuar nesta toada, neste andamento, será muito pouco emocionante e dramática, alcançando mais a continuidade do existente do que a descoberta de novos caminhos, como, por exemplo, a sucessão de Barack Obama significou nos Estados Unidos. Estamos muito longe de uma sucessão marcada pela possibilidade da inovação, da invenção, da descoberta. Agora mesmo o PSDB reafirma o seu apoio à Bolsa Família. Em que irá mudar? Pensando ainda num tempo mais largo, nós estamos nesta política desde 1994. Com flexibilizações para lá e para cá, mas no fundo e no cerne, essa política tem uma continuidade imensa e deve continuar, olhando da perspectiva de hoje, com Serra e Dilma, por mais quatro anos. Temos um domínio da vida partidária, política e eleitoral brasileira por dois partidos: PT e PSDB. Embora nenhum deles possa se intitular como o maior partido brasileiro, tanto um como o outro, para vencerem, precisam de um terceiro partido: o PMDB. O que os aproxima mais ainda. Nesse sentido, o programa de inovação que eventualmente eles venham a ter está muito referido, muito constrangido, pelo fato de o PMDB aprovar ou desaprovar o caminho que eles quiserem assumir. Esta política toda orbita dentro do centro político, ancorada na presença majoritária do PMDB na vida partidária e parlamentar brasileira, embora esse partido não tenha representação forte nos movimentos sindicais.

IHU On-Line – Então, do ponto de vista político, Lula não trouxe novidade?

Werneck Vianna – Ele trouxe, sim. Mas as novidades não significaram uma nova estrada. Não significaram a abertura de caminhos, de sinais, de mudanças. Em primeiro lugar, na questão econômico-financeira, houve mudança? Não houve. Onde houve mudança? Na questão social, sem dúvida nenhuma. Esse governo demonstrou uma capacidade forte de atuar nessa direção. No entanto, alguns programas sociais do governo Lula foram criados no governo anterior, de Fernando Henrique Cardoso, do PSDB. Não foram descobertas, invenções novas. Houve mudança na política externa? A política externa para a América do Sul vem de antes, de José Sarney, de Itamar Franco. Fernando Henrique também deu um passo nisso. Podemos dizer que o Lula aprofundou esse caminho. Qual a grande mudança que se podia esperar de seu governo? Governar com uma crescente mobilização dos movimentos sociais na direção de realizar determinadas reformas indispensáveis para a mudança econômica, social e política do país. Entre essas reformas, estariam a Reforma Agrária e a Reforma Política, que não saíram e possivelmente não sairão, no sentido de chamar a cidadania para mais perto da esfera pública. O sujeito hoje vota e não comparece nunca mais. Era de se esperar que houvesse mudanças nessa direção. O que aconteceu foi um aumento da representação simbólica dos setores subalternos, dos movimentos sociais no governo.

IHU On-Line – O movimento social ainda tem peso no jogo de forças da política brasileira hoje?

Werneck Vianna – Tem, embora, ele não esteja ativado. O movimento social foi cooptado e trazido para dentro do Estado que, a partir daí, exerce essa influência. O MST, os sindicatos, o movimento negro, estão todos dentro do aparelho do Estado. E lá eles se neutralizam. Recuperando uma entrevista que eu dei para a IHU On-Line há algum tempo, eles têm o parlamento dentro do governo, uns têm poder de veto sobre os outros. Além disso, eles evitam ir à sociedade nas suas disputas, porque isso poderia desandar esse compromisso que existe dentro do Estado. E quem arbitra e decide tudo é o presidente. Hoje, no Brasil, só uma pessoa faz política: o Lula. É o único que tem os condões efetivos da política nas mãos. O resto da sociedade está destituído da capacidade de fazer política real. Temos a política de um só.

IHU On-Line – Como o senhor analisa a popularidade do governo Lula mesmo com a crise do capitalismo e do emprego?

Werneck Vianna – O governo tem sabido manobrar com muita lucidez e habilidade nesta crise. Tornou-se o interlocutor dos países fortes, conseguiu alguma representação dos países emergentes, tem uma posição muito boa na vocalização das grandes questões internacionais. Agora, essa é uma crise que deixará sequelas. De fato, as concepções neoliberais foram derrotadas. E sem retorno. A partir daí, deveremos ter um fortalecimento de mecanismos de regulamentação internacionais, além de uma presença da política, do direito e das instituições sociais no controle e na regulação da economia. O que não quer dizer uma volta a concepções já vividas historicamente, como o Estado-Providência, ou o mundo do estado do socialismo real. Isso tudo ficou para trás. Também não significa que, daqui para a frente, a única coisa que esteja em vista seja uma volta maquiada da ordem neoliberal. Essa ordem demonstrou sua incapacidade. A economia não tem como trazer harmonia e coordenação, por si só, aos complexos mecanismos da vida financeira mundial. Uma ordem internacional mais justa se torna uma possibilidade. Esses organismos internacionais, como a ONU, e tudo o que está perto dessa experiência, crescem em expressão. Por exemplo, essa gripe suína trouxe à cena um ator extremamente fundamental, que é a Organização Mundial da Saúde, com capacidade de induzir comportamentos em escala mundial, e, mais à frente, capacidade de induzir normas em relação à vigilância sanitária, o que já vem ocorrendo. Estamos em uma passagem de época, e, como isso ainda é embrionário, nesse nevoeiro ainda não é possível perceber inteiramente para onde se vai. Mas é claro que se vai para uma nova ordem mundial, com o exercício de uma coordenação mais efetiva sobre um mundo sistêmico. A economia não pode mais ter a pretensão de ser uma dimensão autorregulada. Ainda estamos tateando, mas em boa direção. E o que se pode dizer do Brasil, nesse contexto, é que a nossa política externa tem dominado isso e operado num sentido bastante lúcido em relação a essas questões, com um fator de paz e de harmonia na ordem internacional. O Brasil está se comportando de maneira afim, homóloga a esses processos societais de fundo, que agem como fenômenos glaciais, como mudanças de “placas tectônicas” da nossa sociedade.

IHU On-Line – No governo Lula, a balança oscila mais para o lado do trabalho ou para o lado do capital?

Werneck Vianna – Entre os dois lados, o coração de Lula balança. E ele arbitra, dependendo da natureza dos impasses e da gravidade do contexto. O governo é muito aplicado na defesa de si mesmo e procura abarcar todos os interesses. A meu ver, o que muda, de fato, com a sucessão do Lula, perante as candidaturas Serra e Dilma, é que, com eles, essa situação não poderá se reiterar. Sempre haverá perdedores. Nenhum deles têm a capacidade, que é própria do Lula, e que ele conquistou ao longo da vida, pelo seu carisma, pela sua força pessoal, de resolver arbitralmente essas questões. Com Dilma e com Serra, os perdedores e os vencedores serão mais claros. Essa será uma mudança significativa.

IHU On-Line – O senhor compartilha da opinião de que governo e sociedade seguem o mesmo modelo de desenvolvimento que privilegia o crescimento a todo custo, sem muita preocupação ambiental, mesmo diante da crise ecológica?

Werneck Vianna – Precisamos reconhecer que os ambientalistas estão presentes no governo. O fato é que a ação deles está sendo mais ponderada agora em função das necessidades de expansão das forças produtivas que esse país experimenta. Tem havido uma inflexão ao longo do governo Lula e que ficou muito mais caracterizada no segundo mandato, no sentido de uma orientação nacional desenvolvimentista, que apresenta tensões com a questão ambiental. A meu juízo, essa questão vendo sendo bem administrada. O ministro do meio ambiente é um ambientalista convicto. Não creio que ele esteja capitulando.

IHU On-Line – O modelo de desenvolvimento de Lula lembra mais Getulio Vargas ou mais JK?

Werneck Vianna – (Risos). Ele lembra ambos. Essa nova ênfase nas questões nacionais desenvolvimentistas o aproxima muito de Vargas. E, quando pensamos no PAC, ele lembra muito Juscelino. De qualquer forma, o que importa é que o PT, um partido que nasceu em clara oposição a esse passado, a Vargas, a JK, vem se aproximando cada vez mais desse inventário, o que nos remete ainda para o tema da continuidade neste outro registro. No governo Lula, o PT não se comportou como um agente da descontinuidade na política brasileira, mas sim da continuidade. O que não quer dizer que, nessa ação da continuidade, não tenha havido releituras nem transformações importantes. A principal delas tem sido o reforço e a consolidação da democracia política entre nós. E, voltando à sua primeira pergunta desta entrevista, o terceiro mandato pode ameaçar esse patrimônio do que tem sido esses dois mandatos do governo Lula, ou seja, de ter sido o reator que vem aprofundando a experiência democrática brasileira. O terceiro mandato pode significar um divisor de águas muito complicado.

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