terça-feira, 26 de maio de 2009

No panteon dos ex-presidentes

Wilson Figueiredo
DEU EM OPINIÃO E NOTICIAS

Assim como a Física diz que dois corpos não são capazes de ocupar, ao mesmo tempo, o mesmo espaço, o presidente Lula _ se tudo correr bem e eleger (ou não) a candidata que patrocina _ terá de dividir depois com Fernando Henrique Cardoso a condição de ex-presidente. Não que seja do agrado de ambos ocuparem juntos o mesmo espaço. Aí é que serão elas. Mesmo em espaços próprios, cada qual no seu, nenhum dos dois é compatível com a condição de ex-presidente, por ser um redutor ostensivo de prestígio. Já se foi o tempo em que se reverenciavam ex-presidentes com espírito cívico, de alguma forma mais respeitáveis (por pedir humildade) do que presidentes cheios de si.

Quando chega a hora, presidentes passam o poder e o título, e mal disfarçam o desagrado de caírem na categoria equivalente ao purgatório da história. Ex-presidente já era. O PSDB tem dois candidatos bem situados nas intenções de votos para 2010, e nem assim a Física vai abrir exceção prévia para que José Serra e Aécio Neves tentem ocupar o mesmo lugar de candidato (a presidente) no espaço onde cabe apenas um, e acabem os dois vendo navios. Vice é prêmio de consolação.

O poliédrico Lula tem várias facetas, desde as três candidaturas frustradas às duas bem sucedidas, sem contar a mal explicada disposição para o terceiro mandato, do qual recuou em tempo, pelo menos nas condições vigentes. Outra é a sintonia com a idéia açodada de acabar com a limitação do número de re-candidaturas sucessivas. Foi o que o levou a desautorizar a conversa aberta a respeito e ter como certo que um dia a democracia será enriquecida por sucessivas reeleições. Enquanto gozar de boa saúde, o presidente conviverá com a hipótese. Não se passa uma quinzena sem que Lula suspire e confesse que, para ele, limitar o mandato presidencial a apenas uma recidiva é indigno de democracia que se preza.

Nada podem fazer Fernando Henrique e Lula em relação (em latim soa melhor) à capitis diminutio, que é a desconfortável condição de ex-presidente, e ainda ter de carregar essa cruz toda vez que forem referidos, a partir de 2010, exatamente quando vidas mais longas vão se democratizando. Nenhum deles conseguirá mais segurar a língua nas oportunidades de crise, seja nas que venham de fora, seja nas aqui mesmo produzidas para consumo interno. Não será impossível que os dois façam dueto. O ex-presidente Itamar Franco, se não fosse por princípio, bateria de quina ou de frente com ex-presidente que lhe desse motivo. Lula não deve ter ouvido falar de Wenceslau Brás, outro ex-presidente que adotou a ética (republicana) de não piar em mandato alheio. Pegaria mal Lula discutir com FH qual dos dois mandatos de cada um foi mais produtivo. Na hipótese (e apenas nela) Dilma Rousseff, Fernando Henrique vai poder bicar seu sucessor com a velha tese segundo a qual não existe dívida de gratidão eleitoral. Logo, ela não precisaria pagar. Quem elege (se é que elege) não consegue governar de trás da cortina ou, modernamente, por controle remoto. Não tendo como se ressarcir com cargos de relevo político pelo crédito contabilizado em votos, o presidente Lula teria que voltar ao ABC, abaixar a cabeça e fazer como Wenceslau Brás, que saiu do Catete direto para Itajubá, onde se dedicou, a perder de vista, à pesca solitária de rio, o santo remédio para dor de cotovelo. Dois exemplos mais próximos _ os presidentes José Sarney e Itamar Franco _ são variações do mesmo tema. Sarney cobriu-se com o manto de senador e esbanja experiência em lidar com adversidades, ao mesmo tempo que retoca aqui e ali a biografia que espera ver terceirizada. Recusa-se a fazer como Lula, que já passou ao estágio de administrar a própria imagem, a começar do cinema nacional. Itamar Franco mostrou relação madura com o perfil de homem público de superior padrão ético e político. Está em alta ociosa. Fernando Collor também não passou recibo como ex-presidente.

E Lula? Não vai ser fácil impedir que entre às cotoveladas para o panteon dos ex-presidentes. Matematicamente certo que não tutelaria o governo de sua candidata, nem aceitaria como penitência o princípio universal de que entre o eleito e um grande eleitor (como Lula se apresenta), a vitória os separa assim que o vencedor emerge da apuração. Eleitor e eleito são duas placas tectônicas em desajustamento contínuo. Ficam por ai as hipóteses previsíveis, sem prejuízo de outras. De acordo com as circunstâncias.

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