sexta-feira, 22 de maio de 2009

O anticristo é ele mesmo, o diretor Lars Von Trier

Luiz Carlos Merten, Cannes
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / Caderno 2

Defensor e adepto ferrenho das novas tecnologias, diretor é hostilizado ao se negar a explicar seu filme

Lars Von Trier conversa com um grupo de jornalistas no Hotel du Cap. É preciso se deslocar até Cap d?Antibes, e ir ao Eden Roc, um dos jardins mais exclusivos do mundo, onde uma cabana não pode ser alugada por menos de 10 mil euros por dia, para conversar com o autor dinamarquês. Lars esconde-se? Seu novo filme, Anti-Christ, era uma das atrações anunciadas do festival que vai chegando ao fim. Ele poderá até bisar a Palma, que já recebeu por Dançando no Escuro, mas se isso ocorrer a premiação poderá repetir vaias históricas na história de Cannes. A coletiva de Anti-Christ foi marcada pela agressividade da imprensa internacional contra o diretor. É possível montar uma entrevista só com as perguntas formuladas pelo repórter do Estado.

Sem dúvida que você deveria esperar uma reação apaixonada do público de Cannes. Só que essa reação terminou sendo muito agressiva. Havia gente quase querendo bater em você na coletiva. Esperava isso?

Sempre fui muito bem recebido aqui no festival. Na própria Dinamarca muita gente diz que há uma história de amor entre esse festival e eu. Já trouxe aqui filmes que despertaram paixão e ódio e Anti-Christ se presta à polarização. Um filme de horror, com cenas intensas. Achei que talvez as reações fossem mais viscerais, mas esperava que fossem civilizadas. Muita gente me acusa de haver feito um filme irracional, mas isso é nada perto da barbárie das reações.

É muito desconcertante que você se recuse a interpretar o filme para a imprensa. O próprio título é um enigma. Por que agir assim?

O título é o mais fácil de explicar, embora, para dizer a verdade, minha explicação não vá esclarecer muita coisa. Até onde me lembro, o livro de Nietzsche sempre esteve na minha cabeceira, no meu escritório, mas nunca o li. Talvez a ideia seja essa. Roubo o conceito do Anticristo de Nietzsche, mas assim como não li o livro dele não creio que deva dar explicações racionais para o que se passa na tela. Ninguém pede a músicos, pintores, escultores que expliquem sua criação. Só no cinema. Fiz minha parte, vocês façam a de vocês. O filme é da crítica, do público. Cada um interprete como quiser.

OK, vou lhe sugerir uma interpretação pessoal. A última década foi marcada pela via do digital que você apontou em Dançando no Escuro, vencedor da Palma de 2000. Na verdade, o Anti-Cristo é você, Lars, que veio matar o cinema tradicional.

Realmente, os últimos dez anos têm sido marcados por um avanço considerável das tecnologias digitais, seja na captação ou exibição de imagens. Tudo está acontecendo muito rapidamente e se eu prossigo nessa via é por que acho que ela não tem retorno. Não adianta lamentar a morte da película. O futuro do cinema já chegou e é irreversível. Não vejo nenhuma possibilidade de volta. A película vai virar peça de museu, a mídia está mudando, já mudou. Não adianta lamentar o que se perdeu. Acho que é mais interessante avaliar os ganhos e encontrar a nova forma de contar histórias com as ferramentas que as novas tecnologias nos oferecem.

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