terça-feira, 19 de maio de 2009

O CCC em Pernambuco

Marcelo Mário de Melo
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Uma verdadeira muralha de ocultamento se estendeu e se mantém vigilante em Pernambuco, em torno das ações e dos integrantes do Comando de Caça aos Comunistas, o famigerado CCC, grupo clandestino de extrema direita que atuou em diversos pontos do País e tinha representação no Estado. Na década de 1960, o CCC espancou artistas de teatro no Rio e em São Paulo, depredou diretórios estudantis, sequestrou e agrediu lideranças estudantis.

O núcleo estadual do CCC possuía expressão no movimento estudantil. Executou muitas pichações, depredou diretórios acadêmicos, metralhou a sede da Arquidiocese de Olinda e Recife e publicou uma lista ameaçando 46 líderes estudantis, que deveriam "tomar cuidado". Logo depois dessa ameaça houve o atentado ao presidente da União dos Estudantes de Pernambuco (UEP), Cândido Pinto de Melo, emboscado e atingido por um tiro que lhe seccionou a medula, deixando-o paraplégico. Meses depois, houve o assassinato do padre Henrique, barbaramente torturado e abandonado num matagal na Cidade Universitária.

As investigações em torno desses fatos foram competentemente malversadas, nas instâncias policiais e judiciárias, com o sentido de garantir a impunidade e a não identificação dos integrantes do CCC. Inquéritos viciados. Processos engavetados.

Documentos dos autos devidamente surrupiados. Tratava-se de uma ação clandestina realizada com o suporte operacional das estruturas repressivas oficiais. E com o apoio político ramificado no Executivo, no Legislativo e no Judiciário, para as devidas ações de "abafamento".

O esquema funcionou muito bem. Tanto que hoje, no que se refere ao CCC, existe um lastro de ações, mas não existem executores. Há crimes, mas não há criminosos. E muitos ex-integrantes do CCC, destilando o discurso democrático, depois de limpar as manchas de sangue das mãos, trocar slogans e retocar bandeiras, andam por aí nas avenidas da impunidade, posando de democratas e olhando o carnaval passar.

Há fortes indícios de que personagens envolvidos nos crimes que atingiram Cândido Pinto e o padre Henrique, também estiveram presentes no assassinato do procurador Pedro Jorge, responsável pelo processo conhecido na imprensa como o Escândalo da Mandioca. O que remete à Segunda Seção da Polícia Militar de Pernambuco.

Mas aqui há uma ocorrência de "gato escondido com rabo de fora", permitindo trazer alguma luz nesse escuro e prolongado túnel. Foi em 1985, durante a campanha eleitoral para a primeira eleição a prefeito das capitais, desde 1964. Eu e os jornalistas Paulo Santos, Ivan Maurício e Clériston, entrevistávamos o candidato Jarbas Vasconcelos para o periódico O Rei da Notícia. E ele afirmou que, um dia, à noite, estudante de direito, foi com um colega ao estacionamento da Universidade Católica, para pegar uma carona. Aí encontrou cerca de 30 militantes do CCC fazendo pichação, protegidos por integrantes da Polícia Militar. Uma das inscrições falava da cabeça de dom Helder. Perguntamos quem eram as pessoas do CCC que estavam pichando. E Jarbas respondeu que não queria citar nomes, mas adiantou: "é gente que hoje tem mandato."

Era o ano de 1985. E no ano de 2009 estamos diante de um jogo de adivinhação. Um quebra-cabeças democrático. Ou uma pauta de jornalismo investigativo. Para tentar identificar, no listão composto por governador e vice-governador, senadores, deputados federais e estaduais, e vereadores da capital, quem eram os integrantes do CCC que faziam pichação com a proteção da PM, quando foram flagrados pelo estudante Jarbas Vasconcelos.

Trata-se de um jogo com elevada exigência de responsabilidade e cuidado. Porque não podemos distribuir, a esmo, suspeições e acusações, caluniando, injuriando e difamando. Assim como os representantes da ditadura fizeram com os seus inimigos políticos. E que se tenha sempre em mente a recomendação do velho Graciliano Ramos na introdução das suas Memórias do cárcere: "Não devemos caluniar o nosso fascismo tupinambá".

Os objetivos maiores deverão ser, sempre, a composição da verdade histórica, a desmistificação política, e – mesmo que retardada ou apenas simbólica – a justiça ante os sacrificados.

» Marcelo Mário de Melo é jornalista

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