quinta-feira, 28 de maio de 2009

Reforma engavetada

EDITORIAL
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O projeto que instituiria o sistema de lista fechada nas eleições para deputados e vereadores, pelo qual o eleitor vota em partidos e não diretamente em candidatos, foi sustado na Câmara antes até de entrar na ordem do dia. Os líderes de 8 partidos médios e pequenos (PTB, PSB, PDT, PR, PP, PSC, PMN e PRB), todos da base aliada, que reúnem 177 dos 513 membros da Casa, recusaram-se a assinar o pedido de urgência para a discussão da matéria, o que a dispensaria de passar pelas comissões técnicas antes de chegar ao plenário.

Foram além: ameaçaram obstruir os trabalhos caso as legendas que apoiam a mudança (PMDB, PT, PSDB, DEM, PPS e PC do B) tentassem colher, uma a uma, as 257 assinaturas para o pedido de urgência. Sem a urgência, não haveria tempo hábil para a sua votação até setembro, prazo-limite para a definição das regras do pleito de 2010. O governo, de quem partiu a iniciativa da reforma, e o presidente da Câmara, Michel Temer, que a encampou, incumbindo o seu colega do PMDB Ibsen Pinheiro de redigir o projeto, acreditavam que poderiam liquidar a fatura com relativa facilidade.

Para o grupo dos 8, no entanto, barrar as listas fechadas - ou pré-ordenadas, porque o partido estabelece a ordem de precedência dos candidatos - era, no entanto, questão crucial. Não porque o novo modelo, seguido na maioria dos países que adotam o sistema proporcional para a eleição de suas câmaras legislativas, representasse para o eleitor um retrocesso em relação ao formato em vigor, como alegam os seus adversários. Mas porque provavelmente afetaria as suas chances de manter os espaços ocupados na Câmara.

De fato, com mais visibilidade e mais tempo de TV, as agremiações que formam o primeiro pelotão parlamentar - PMDB, PT, PSDB e DEM - tenderiam a colher uma proporção de votos ainda maior, consolidando a sua hegemonia na política nacional. Em outras palavras, a fronda do status quo se mobilizou contra o que a inovação tem de melhor, quaisquer que sejam os seus defeitos, em comparação com a fórmula atual: é um freio à fragmentação do sistema partidário, com a proliferação de bancadas legislativas - e o seu conhecido séquito de malefícios.

Significativamente, dois pequenos partidos de tradição ideológica, o oposicionista PPS, descendente do velho PCB, e o seu rival histórico, o governista PC do B, defendem as listas fechadas como instrumento de modernização política. É a mesma posição do diminuto PSOL, nascido da costela esquerda do PT. Significativamente também, do outro lado da divisa não estão apenas siglas. Os inimigos da reforma que não ousam dizer o seu nome são as bancadas que atravessam as fronteiras partidárias, como a dos evangélicos, cujos integrantes se beneficiaram da votação em nomes e da eleição de candidatos com inexpressivo número de sufrágios.

Os cálculos de conveniência das legendas e grupos antagônicos à reforma só vingaram graças aos interesses eleitorais do lulismo. Embora ela tivesse origem em um pacote de propostas do Planalto e contasse presumivelmente com a maioria dos votos na Câmara, foi sacrificada para não fazer marola na coalizão governista a caminho de um ano eleitoral sob o signo da incerteza. "O PT tem duas prioridades", diz o presidente da agremiação, Ricardo Berzoini. "Fazer a reforma política e trabalhar pela unidade da base." Falso. Até outubro de 2010, a prioridade petista é apenas uma: eleger o sucessor do presidente Lula. O resto é o resto.

O que dá razão ao líder tucano José Aníbal, cuja bancada, por ampla maioria, acabou aderindo ao projeto depois de ficar algum tempo no muro. "No primeiro ranger de dentes, o governo e os líderes dos maiores partidos refluíram", protestou. "É a coalizão do imobilismo", concorda o deputado Chico Alencar, do PSOL. A reforma que não vem nunca agora depende de outro projeto discutível: a emenda constitucional do deputado petista José Genoino, que daria ao próximo Congresso poderes especiais para revisar a legislação política e eleitoral. O chamado Congresso Revisor funcionaria entre 15 de março e 15 de novembro de 2011 e as mudanças seriam aprovadas por maioria absoluta - e não por três quintos - em sessão conjunta da Câmara e do Senado. Não está claro, porém, se a ideia tem amparo na Constituição.

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