segunda-feira, 11 de maio de 2009

Reforma política e imprensa

Fábio Wanderley Reis
DEU EM O VALOR ECONÔMICO

O tema geral da reforma política irrompeu de novo com força. A sequência de denúncias que atingiram o Congresso levou, por exemplo, a que um jornal como a "Folha de S. Paulo", duas semanas atrás, retomasse em editorial a defesa do voto facultativo, no entendimento de que com ele diminuiria a distância entre a sociedade e seus representantes, ajudando na superação da impunidade que a "repugnância pelos políticos", por si só, não traz. Mas a notícia de que políticos tanto governistas como de oposição se mobilizam para aprovar o financiamento público de campanhas e o voto em listas levou as coisas mais longe: o que vemos, além de enfáticos editoriais contra a proposta, é a própria veiculação das notícias a respeito envolta, nos diferentes meios, em ira e sarcasmo. E tome repugnância!

Impossível negar o que há de feio nos fatos que as denúncias revelam. E ver a proposta mencionada ganhar viabilidade no Congresso em seguida às denúncias com certeza autoriza apontar um oportunismo miúdo como parte, pelo menos, dos motivos da movimentação atual.

Mas é ilusório contar com que nosso eventual avanço institucional venha a resultar, sem mais, de parlamentares nobremente motivados a discutir com competência e isenção os problemas do país. E caberia talvez esperar que a duradoura face negativa da realidade política brasileira fosse ela própria um incentivo a que a imprensa, em vez da perene exposição minuciosa de cada malfeito, abrisse maior espaço à discussão e ao esclarecimento das dificuldades que envolvem o campo "técnico e polêmico" das reformas institucionais, de que fala o próprio editorial citado da "Folha de S. Paulo". Já lembrei aqui a reduzida atenção dedicada, pela imprensa em geral, às propostas relatadas por Ronaldo Caiado, na Câmara, e derrotadas enquanto éramos inundados com as aventuras de Renan Calheiros.

De minha parte, sou favorável à manutenção do voto obrigatório. Ao contrário do argumento invocado com frequência, e retomado agora, não há qualquer razão (sobretudo, ironicamente, na perspectiva edificante que tende a predominar) para ver no voto somente um direito, e não também um dever do cidadão. De um ponto de vista analítico e empírico, além disso, a sociologia eleitoral há muito mostra que, com o voto facultativo, os mais pobres e desinformados são os que se veem desproporcionalmente excluídos do sufrágio. A não ser numa ótica elitista e algo cínica, é difícil defender a ideia de que a representação melhore ao se facilitar a operação de um fator adicional de exclusão dos já marginais socioeconomicamente. Mas, de novo ao contrário do que às vezes se sustenta, o voto facultativo tenderá ainda a estimular o recurso a mecanismos clientelísticos de mobilização dos eleitores, já que, não sendo todos obrigados a votar, tais mecanismos poderão fazer a diferença em termos de resultados eleitorais em nossas condições sociais negativas.

Sou também favorável a que experimentemos com o financiamento público e o voto em listas.

Quanto ao financiamento público, uma ponderação inicial é também de natureza doutrinária: se asseguramos igualmente o direito de votar para todos, é evidente a diferença entre ricos e pobres no que se refere ao exercício do direito de ser votado, ou de candidatar-se a cargos eleitorais com perspectivas de êxito, e o financiamento público é um meio óbvio de se procurar neutralizar as distorções que o dinheiro privado traz ao processo eleitoral e sua influência antidemocrática e corruptora na própria administração pública - ainda que seja necessário prestar atenção à possibilidade de democratização do financiamento privado que a campanha de Barack Obama acaba de mostrar-nos.

Por seu turno, o voto em listas é defensável, em primeiro lugar, por permitir a fiscalização efetiva do uso dos recursos ao concentrar a responsabilidade nos partidos. Em perspectiva mais ampla, porém, ele concorre na direção geral do indispensável fortalecimento dos partidos como pontos de referência e, eventualmente, como agentes consistentes e decisivos do processo político e eleitoral, em vez da dispersão personalista que experimentamos há muito. É notável que essa dispersão seja descrita, também em editorial, como arma democrática de que disporiam os eleitores "para combater os abusos dos seus representantes" pelo mesmo jornal que aponta, para defender o voto facultativo, o cidadão a curvar-se "numa espécie de corveia eleitoral" e a outorgar mandatos que serão exercidos "na impunidade e na arrogância".

Sem dúvida, há o perigo verdadeiro das famosas "oligarquias partidárias". Convém, naturalmente, pensar em dispor de maneira adequada sobre coisas como convenções democráticas e eleições primárias para assegurar que as bases partidárias tenham um grau significativo de controle sobre os líderes, bem como sobre "listas flexíveis" em que se preserve a iniciativa do eleitor. Mas o que importa é que o eleitor possa escolher entre partidos que agreguem interesses e vocalizem alternativas relevantes, e é patente que a preocupação com a construção de partidos reais deve ter precedência sobre a preocupação com a sua oligarquização: uma vez que se jogue o jogo eleitoral, são sobretudo partidos fracos que se prestam ao controle de oligarquias. Ao contrário, o comando e a coesão reais são partes importantes e articuladas de partidos capazes de eficácia eleitoral e governativa.

De todo modo, é lamentável que as circunstâncias contaminem tão negativamente o debate dos problemas. E que a imprensa bem-pensante seja, de mais de uma forma, o instrumento desatento dessa contaminação.

Fábio Wanderley Reis é cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. Escreve às segundas-feiras

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