segunda-feira, 18 de maio de 2009

A Via Campesina e o teatro das mocinhas

Zander Navarro
Sociólogo
DEU NO JORNAL DO BRASIL


Não tenhamos dúvidas: o Brasil é mesmo um país extraordinário e nem comentarei sobre o édito do obscurantista bispo de Olinda e Recife.
Ainda abriremos um veio de investigações sobre o "excepcionalismo brasileiro", tantas são as surpreendentes particularidades de nosso povo.
Tome-se, como exemplo, as manifestações das "mulheres da Via Campesina", ocorridas em 8 de março. Acionadas para celebrar suas conquistas emancipatórias, aquelas ações, de fato, as desmoralizam, tal o seu grau de insanidade. Desde o espanholismo que a nomeia (por que não Via Camponesa?) às patéticas burcas roxas que as transformam em assumidas delinquentes.

Mas há aspectos mais sombrios. Por exemplo, se inquiridas, estou certo que nenhuma das manifestantes, uma que fosse, saberia definir "agronegócio", que seria o seu principal alvo político. O que demonstra outro fato igualmente grave, qual seja, o Movimento das Mulheres Camponesas, suposta organização autônoma integrante da Via Campesina, não é mais do que um pequeno grupo de militantes subordinadas a outra organização essencialmente masculina, que é o MST. Não é estranho? Mulheres manifestam-se no dia definido para comemorar a sua autonomia social e política, mas não sabem por que o fazem e, além disso, são marionetes de uma entidade dominada por homens. Não somos mesmo um país fantástico?

Posso escrever as linhas acima porque acompanhei como sociólogo a história deste grupo, nascido como Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais em Passo Fundo, em agosto de 1985. O MMTR observou uma evolução meritória até a primeira metade da década seguinte, quando passou a encontrar dificuldades de manter uma "agenda específica" sobre temas femininos, especialmente sobre direitos reprodutivos. No final daquela década, sua liderança foi sendo duramente pressionada para ser "mais combativa" (leia-se, confrontacional), até mudar o nome e sucumbir às pressões do MST, que capturou esta e outras organizações. Insisto categoricamente: a Via Campesina não é uma coalizão, mas apenas o MST tout court. O Movimento dos Atingidos por Barragens é um minúsculo grupo subordinado ao MST; o Movimento dos Pequenos Agricultores é apenas o braço sindical do MST e não tem existência própria; a Comissão Pastoral da Terra há anos inverteu os papéis e se deixou dominar pelos sem-terra; a Pastoral da Juventude Rural é raquítica e sem a menor importância social. Sobram as entidades de adolescentes (Feab e Abeef), mas estas mereceriam algum crédito, quando não existe mais nem mesmo um movimento estudantil?

Zander Navarro é professor da UFRS

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