sexta-feira, 15 de maio de 2009

Viva a pátria (financeira)

Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - Saúl Galvão, enólogo de respeito, crítico de gastronomia e acima de tudo querido amigo, tinha uma frase definitiva, dos tempos em que comíamos mesmo é nos "sujinhos" da vida: "Se você precisa de mais do que duas palavras para descrever a sua função, será o próximo a ser demitido". Se a lógica do Saúl se aplicasse ao setor público, Guido Mantega e Henrique Meirelles teriam sido demitidos anteontem: precisaram de um caminhão de palavras para explicar a mixórdia que pretendem fazer na poupança.

Mas manterão os empregos, porque a mixórdia é apenas a reiteração da lógica do governo Lula, de rendição incondicional ao que os argentinos chamam corretamente de pátria financeira.

Ou, como preferiu Gustavo Patu, a mexida na poupança é a "exploração demagógica de uma anomalia palpável da economia nacional -os ganhos dos rentistas e os custos dos tomadores de empréstimos, ambos há quase duas décadas entre os maiores do mundo".

Todo o palavrório usado para explicar o imbróglio mal esconde que a preocupação é defender o "ganho dos rentistas".

Carlos Lessa, primeiro presidente do BNDES na era Lula, já escreveu, mais de uma vez, que se trata do maior esquema de transferência de renda do planeta. De todos os contribuintes para os mais ricos, a título de pagar a dívida.

Discutir o reescalonamento dela, nem pensar. O primeiro pensamento é sempre ajudar os rentistas, como se faz agora via redução de impostos. Nem pensar em, por exemplo, ajudar o emprego, pela desoneração da folha de pagamentos, velha bandeira do PT que morreu ao chegar ao poder. Taxar a poupança é escolher a linha de menor resistência, porque a esmagadora maioria dos poupadores pertence ao fraco mundo do salário, e não à forte pátria financeira. É toda uma definição ideológica.

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