terça-feira, 30 de junho de 2009

A alternância redundante

Wilson Figueiredo
DEU EM OPINIÃO E NOTICIAS

De passagem pela Bahia, o presidente Lula aproveitou o dia reservado ao meio-ambiente, que não tinha a ver com o caso, para anunciar que iria reunir a famosa base de sustentação (dele ou dela?) e expor as razões superiores de recusar seu nome e seus votos à campanha pelo terceiro mandato, que entrou em compasso de espera. À espera de não se sabe bem o que, além do que se fala e do que se deixa de providenciar para garantir eleições normais. Ele, Lula, ficaria por conta das prioridades ocultas. E, para antecipar resultados, deu um passo atrás ao debitar ao Congresso a tarefa de desemaranhar a questão do terceiro mandato, subjacente na sucessão sem começo e, em conseqüência, sem fim. Se operasse como tal, a oposição diria que, entre o começo e o fim, é mais conveniente ficar no meio, com a ilusão de vir a ser o fiel da balança. E assim vai ficando onde nunca esteve à vontade, o lado de fora do governo. Até que se desate o nó, o terceiro mandato estará suspenso sobre a cabeça da República como a espada de Dâmocles.

Não é por formalismo que o presidente mantém distância em relação ao problema, nem por escrúpulos supérfluos. Diz, sem corar, que não vê “sentido em que as pessoas fiquem discutindo o terceiro mandato” , depois que _ com dois nas costas _ “ já cumpriu o seu papel” na peça em questão. Chegou, por mérito próprio, aonde está, e gostaria de aproveitar a oportunidade em que a oposição se nivelou por baixo, para encerrar bem esta etapa.E, mesmo sem convencer, Lula se dispôs a arquivar a candidatura por perceber que a alternância pode ser a mola da democracia e encaminhar a saída honrosa para ganhar tempo sem ficar de mãos amarradas.Não é candidato e troca o terceiro mandato dele pelo terceiro governo do PT. Fez-se arauto do terceiro governo, no qual despontará como primeiro ministro de fato.

É a palavra dele, Lula, contra o fato de que o tempo ficou mais curto para a tramitação, em condições normais, da emenda constitucional no prazo regimental para aprovação no Congresso. Para as condições anormais, porém, ainda é cedo, e o que pode acontecer vai depender tanto das motivações de fora para dentro do Brasil, quanto das de dentro para dentro mesmo, porque ainda não as exportamos. Por esse lado, Lula capta o essencial: o que vai acontecer independe até dele. No entanto, ainda não se deu conta de que, cada vez mais, número maior de cabeças se nega a acreditar no que ouve ou lê sobre a equação presidencial para 2010. Tudo tem o toque provisório.

A razão, porém, está com o presidente quando também acha que “o Brasil é um país que tem pouco tempo de democracia” e que “a alternância de poder é muito importante” . Decidiu, por esta ou por outra razão, retirar-se da linha de especulação. Deixa subentendido que a questão geral deve tomar outras formas, desde que o terceiro mandato não pegou nem de muda nem de semente, que é a teoria. A prioridade passa a ser a alternância, mas não uma qualquer. Terá de se processar dentro da coalizão, mas – que fique claro - PMDB à parte e PT apenas por intermédio dele.

Do ponto de vista presidencial, na moldura da sucessão, Lula aceita abrir mão da oportunidade em 2010 em favor da reserva de seu nome para a eleição seguinte, em 2014. Com isto, reafirma a fé na continuidade constitucional, contando certo que a oportunidade lhe será devolvida _ um mandato de quatro anos depois _ por Dilma Rousseff. A fé na democracia avaliza a desistência do terceiro mandato e, para se recuperar do desgaste e garantir que tudo lhe seja favorável, inclusive as pesquisas, precisa congelar a soma total de dificuldades como se apresentam. Que assim é, já que lhe parece, mesmo sem ter lido Pirandelo.

Se tivesse desfrutado de um mandato mais normal, que não lhe exigisse tanta intromissão nos fatos, teria consumado o que prometia antes, qual seja, cortar o mal pela raiz. Nada de reeleição. Aí, sim, erradicaria o segundo mandato, que herdou do seu antecessor Fernando Henrique Cardoso. O segundo mandato não disse a que veio senão em caráter pessoal para alguns vivos que se fingem de mortos. Antes da gripe de origem suína, o vírus da reeleição já era difícil de curar, da presidência da República a prefeituras municipais, sem privilegiar governadores. Não há vacina obrigatória contra a reeleição que contamina o candidato assim que é diplomado. Em qualquer nível, o mandato passa a ser exercido em termos de campanha eleitoral.

Esvazia-se de qualquer sentido essa parlapatice, com todo o respeito léxico, de que o presidente esteja realmente preocupado com a alternância: alter (outro, em latim) quer dizer um, de dois. E Lula, etimologicamente incorreto, só pensa no mesmo. Mas é outra questão. Durante bom tempo, Dilma guardou lugar para ele, mas já está decolando. Assim, a emenda _ o elogio da alternância _ foi melhor para Lula do que o soneto, a reeleição única, produzido por Fernando Henrique. A discussão sobre o terceiro mandato, no modo presidencial de ver o futuro, acabou centrada no referendo popular ao qual ficaria reservada a última palavra, e com reticências para alimentar a incerteza.

Desculpe o presidente, mas por que, logo agora, teoriza sobre um assunto que não diz respeito à sucessão já antecipada por ele, e tão deslocada? Vai gostar de contradição assim lá no ABC, onde aprendeu política sem teorias. Ou - por que não? – sob uma bandeira por ele desfraldada, mas recolhida depois de eleito, uma empreitada parlamentar para arquivar a reeleição e liderar no continente a implantação do parlamentarismo, de índole universal. Este presidencialismo que os EUA inventaram e exportaram para consumo latino-americano não tem jeito.

Ai Lula estaria entrando para a História, mas aquela com inicial maiúscula, e ainda posaria para pintores num quadro de dimensões convincentes - com o toque épico de Pedro Américo – em que apareceria montando um cavalo à maneira napoleônica e, na mão, a Constituição dos 300 picaretas de 1988.

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