quarta-feira, 17 de junho de 2009

Bric, Bricamac

Míriam Leitão
DEU EM O GLOBO

Juntos, os Brics têm US$2,8 trilhões de reservas, 70% disso em dólar. Os Brics são uma invenção de um economista. Arbitrária como qualquer outra. Poderia ser Bricamac: Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, México, Austrália e Coréia. Todas potências médias. Os economistas erram muito, mas são felizes nos nomes que inventam. Hoje, os Brics se acham e se reúnem. Querem mais poder.

A criação do economista Jim O"Neil, do Goldman Sachs, foi muito além do que ele poderia imaginar, e hoje, Ekaterimburgo, na Rússia, é palco de evento político. E monetário. Eles disseram que querem uma nova moeda, ou uma supermoeda supranacional, ou um mix de moedas em vez do dólar. Têm razão nisso, apesar de ser algo difícil de virar realidade. Os quatro disseram que o dólar não tem cumprido suas funções de moeda de referência, e estão absolutamente certos. Mas daí a fazerem algo a respeito, demora um pouco.

Difícil acreditar que eles queiram outra ordem monetária como referência no comércio. Todos têm grande quantidade de dólar em reserva, não têm moeda conversível e não ganhariam nada com uma crise de confiança em relação à moeda americana. São grandes financiadores da dívida americana, principalmente a China, que é dona de US$2 trilhões de reservas cambiais, quase tudo em dólar. A médio prazo, certamente o dólar será menos importante, queira ou não a cúpula de Ekaterimburgo, porque os Estados Unidos estão com uma enorme dívida, e uma expansão fiscal e monetária que já contratou um enfraquecimento da moeda.

Ouvido pelo "China Daily", o economista Yu Yongding, da Academia de Ciências Sociais do país, disse que "uma das causas da crise atual é a contradição entre a moeda nacional americana e o dólar como moeda hegemônica de reserva internacional". Ele acha que os quatro países juntos podem fazer um mapa dos passos para se reduzir a importância do dólar. Neste momento, no entanto, tudo o que for feito resultará em desvalorização dos ativos dessas mesmas economias.

Os quatro países reuniram-se apesar das suas diferenças. A Rússia já foi potência e hoje é emergente. Melhor seria dizer que ela imergiu. Ela encolheu no PIB, na população e na diversidade econômica: hoje é um país jogado para o alto ou para baixo de acordo com a variação do preço do petróleo. É o país mais afetado pela crise, está enfrentando uma forte recessão, provocada entre outras razões pelo fato de que as empresas se alavancaram violentamente pelo tamanho do valor dos seus ativos em bolsa. A Rússia precisou usar os dólares que tinha para defender o rublo que despencou no primeiro momento.

A China não se acha uma emergente. Acha que já emergiu. Pensa, se comporta, e ameaça o planeta como um país desenvolvido. Mas tem menos renda per capita que o Brasil, por exemplo, tem um pé no atraso rural, seu crescimento acelerado deixou um passivo ambiental pesado e não tem instituições políticas modernas. Índia e China estão com enorme contencioso comercial bilateral pelo desembarque de produtos chineses de preços inaceitáveis até para os indianos. O Brasil é país de crescimento cronicamente baixo. Depois de crescer 6% ao ano durante 80 anos, ele tem tido apenas períodos curtos de crescimento forte. No boom que antecedeu a atual crise, foi o país que menos cresceu de todo o grupo.

A nossa diferença em relação aos outros três em termos geopolíticos é importante e nos favorece. Os três países vivem em áreas conturbadas politicamente e todos têm armas nucleares. O conflito Índia e Paquistão é um dos pontos nevrálgicos do planeta. A Rússia invadiu a Geórgia pela Ossétia do Sul e só não se expandiu mais militarmente na região porque era o mês de agosto. Em setembro veio a crise internacional e a Rússia teve que arrumar a casa. A China tem várias áreas de conflito territorial, como o Tibete, e é o país que vive a dubiedade de dar a ajuda que mantém vivo o regime da Coréia do Norte, e ser o único capaz de segurar o louco que a governa. A existência de um regime como o de Kim Jong-Il aumenta a instabilidade da região, principalmente nesta esquisita transição que se avizinha em que ele já começa a transferir o governo, como uma capitania hereditária, ao seu filho terceiro. Qualquer rápido passeio pelos outros integrantes do clube já mostra que o Brasil está em região bem mais tranquila do ponto de vista geopolítico. Melhor. Temos que investir menos recursos em nos defender dos outros e podemos nos dedicar a resolver nossos próprios problemas.

O que há de certo nos Brics é que o mundo está mudando de ordem. A nova ordem terá o poder menos concentrado. Fica esquisito um G-8 sem a China mas com a Itália, por exemplo. Mesmo na medida mais rudimentar que existe, o PIB, a China já passou até a Inglaterra. É por isso que os chineses acham que já estão com um pé fora do grupo das potências médias.

Como os governantes resolverem seguir à risca o nome inventado pelo economista, deixam de estar lá outras potências médias que também são relevantes. A Indonésia, por exemplo, se a discussão for ambiental, tem que estar junto com o Brasil. Os dois países têm as maiores florestas megadiversas do mundo. E o ritmo do desmatamento nos dois é igualmente assustador. Se o debate for de potências médias produtoras de commodities, a Austrália e a África do Sul também precisam ser incluídas nessa lista.

É importante entender nossas forças e fraquezas e não achar simplesmente que ser um "Bric" é um determinismo de sucesso.

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