quinta-feira, 18 de junho de 2009

Dos pecados e responsabilidades

Maria Inês Nassif
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Se a crise é do Senado, e não de seu presidente, José Sarney, como ele anunciou na tribuna da Casa, distribuindo pecados e responsabilidades aos outros 80 senadores, é preciso que se desvende a razão pela qual pecados e responsabilidades são recorrentes e têm sempre como principais protagonistas os presidentes da instituição. Ao longo da última década, estiveram no epicentro de crises praticamente todos os presidentes da Casa que tinham grande parcela de poder político em seus Estados. Foi assim com Antonio Carlos Magalhães (BA), Jáder Barbalho (PA) e Renan Calheiros (AL) - e agora a história se repete com Sarney. Não é uma simples coincidência.

O Senado brasileiro sobrevive como uma "casa revisora" de perfil sempre conservador. Seus integrantes são eleitos pelo voto majoritário, têm um mandato de oito anos e um poder de veto sobre qualquer iniciativa legislativa, seja ela originária do Executivo ou da própria Câmara dos Deputados. A forma de escolha de seus membros, pelo voto majoritário, dá o mesmo peso a todos os Estados, independente do tamanho de suas populações e do número de eleitores. O mandato de oito anos dos senadores, o dobro dos quatro anos dos deputados federais, dão à instituição o poder de retardar uma mudança política radical pelo voto. Ou seja: se o eleitorado pune um grande partido em determinadas eleições com uma grande derrota, essa agremiação mantém poder político com os senadores remanescentes das eleições anteriores. A instituição mantém, portanto, um papel importante na manutenção do status quo político.

Ao longo de sua história, a Casa tem se consolidado como o caminho natural dos oligarcas estaduais que, além de se beneficiarem diretamente dos votos de populações não raro miseráveis, têm a prerrogativa de escolher seus próprios suplentes sem que eles se submetam sequer ao escrutínio dos eleitores. O primeiro e o segundo suplentes de uma senador fazem parte de uma "chapa" onde apenas o titular aparece para o eleitor e disputa votos. Assim, quando o baiano Antonio Carlos Magalhães renunciou para não perder seus direitos políticos por oito anos, processado que era na Comissão de Ética por ter quebrado o sigilo do painel eletrônico de votação, quem assumiu foi o seu filho, o neófito em política Antonio Magalhães Jr.

Com enorme poder de veto, o Senado sempre é contemplado com cargos no Executivo. O PMDB, por exemplo, maior partido na Casa, do qual Sarney faz parte, negociou apoio ao governo petista mediante negociações diretas que não passaram pela direção do partido. Os pemedebistas do Senado funcionam como um partido à parte, assim como a bancada "carlista" do ex-PFL tinha enorme peso nas negociações com Fernando Henrique Cardoso até seu líder romper definitivamente com o governo tucano, já no final do segundo mandato.

A prevalência do voto majoritário nas disputas para o Senado dão à casa uma representação partidária mais restrita. Os 19 partidos da Câmara se reduzem a 12 no Senado - e, destes, cinco têm uma presença quase residual na Casa, com um, no máximo dois representantes.

É evidente que nem todos os senadores são oligarcas. Mas é claro também que o perfil institucional e burocrático do Senado favorece a eleição, e a liderança interna, de representantes da política tradicional. Os senadores com esse perfil ganham hegemonia regional por estratégias de arregimentação e votos que combinam a cooptação de apoios - dos que tem acesso a votos - em troca de vantagens, de um lado, e do uso da truculência contra os adversários. Da mesma forma, as lideranças com esse perfil ascendem aos postos de comando do Senado pelo uso da sedução - oferecimento de cargos, posições e poderes - e pela ameaça de exclusão dos não aliados dos círculos de poder.

O Senado tradicionalmente tem funcionado como um microcosmo da política tradicional. Tanto é assim que, nas eleições para as mesas diretoras, dificilmente se coopta votos por afinidades partidárias, políticas ou ideológicas. Acabam prevalecendo as adesões por interesses particulares e comezinhos. A prática de ocupar a máquina da Casa com familiares e amigos próximos é quase uma extensão da política local oligárquica, onde não há separação entre público e privado, e a ascensão do poder pelo voto é entendido como um direito pessoal de uso do poder público para fins privados que se estende, como um direito de hereditariedade, aos demais membros da família.

O senador José Sarney tem e não tem razão quando diz que a crise é do Senado. De fato, a Casa está em crise por moldar-se à política tradicional e ser uma reprodução do poder oligárquico. Mas se está em crise, é porque é a soma de vários Sarneys.

Maria Inês Nassif é editora de Opinião. Escreve às quintas-feiras

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