terça-feira, 23 de junho de 2009

José Sarney e sua (nova) circunstância

Raymundo Costa
DEU NO VALOR ECONÔMICO

A vida deu muitas oportunidades a José Sarney. Algumas ele aproveitou, como quando largou o barco da Arena para se tornar candidato a vice-presidente na chapa de Tancredo Neves a presidente da República (1985). O ex-presidente da República está destruindo a última delas: a eleição, em fevereiro, para presidência do Senado Federal.

No comando da República, após a morte de Tancredo, Sarney tirou nota zero na economia, mas sempre poderá escorar-se no argumento de que era um presidente acidental em busca permanente de legitimidade.

Já na política tirou dez: deu curso à transição democrática e entregou a faixa presidencial a um sucessor que, na campanha eleitoral (1989), dizia que ele chefiava o mais corrupto dos governos da República.

Mas no geral, Sarney sempre foi considerado um governante fraco, pusilânime e omisso.

Com a nova chance, na presidência do Senado, poderia dar o desfecho ao resgate de imagem que ganhou impulso com o apoio decidido que deu em 2002 à candidatura de um sindicalista chamado Lula - Sarney deixara o governo em 1990 debaixo de vaias, com a inflação rondando os 2.000%, mas em 2002 voltara a ser aplaudido em restaurantes e aeroportos.

Dizer que Sarney tirou zero em economia talvez seja exagero. Se o Plano Cruzado fez água para o governo garantir a eleição do PMDB em 1986 (só não elegeu o governador de Sergipe), foi seu governo que acabou com a conta-movimento (uma conta em aberto para a expansão do gasto fiscal) e criou a Secretaria do Tesouro Nacional, assentando as primeiras bases para o controle do gasto público, indispensável para a estabilização econômica.

É a falta de decisão que pode arruinar de vez o resgate biográfico que o imortal Sarney (ele é membro da Academia Brasileira de Letras) conseguiu fazer de boa parte da sua biografia.

O Senado hoje parece ser um aborrecimento para Sarney. A coluna que escreveu semana passada na "Folha de S. Paulo" transpira a incompreensão do momento: "Aqui, não tenho o Senado para atrapalhar-me, e sim o gosto de escrever". Segue-se uma atraente e atual especulação sobre o fim da palavra em papel impresso. Mas o que pasma é Sarney pensar que o Senado o atrapalha e não lhe ocorra por um instante que talvez ele esteja atrapalhando o Senado.

Semana passada o ex-presidente, em vez de assumir responsabilidade, preferiu dividir a crise com os outros 80 senadores ao afirmar que não era o senador Sarney que estava em julgamento, mas a própria instituição Senado Federal. Soou como ameaça que dá credibilidade às versões segundo as quais a crise dará em nada porque cada senador tem um pecadilho como os do clã Sarney - até o mordomo da mansão de Roseana Sarney está na folha de pagamentos da Casa.

Dá vazão também às versões sobre os motivos que levaram Sarney a se candidatar pela terceira vez. A versão mais comum é que Sarney aceitou uma convocação do senador Renan Calheiros para manter a hegemonia do PMDB no Senado. Mas há outras variantes, familiares, sobre as quais deve se deter o olhar atento de repórteres, hoje, e historiadores, no futuro.

Lula não esperava que Sarney fosse candidato. Temia o fortalecimento dele e de seu partido, o PMDB. Mas teve de engolir a solução pemedebista, inclusive porque a opção apresentada pelo PT não era tranquila. Mas Lula não ajudou em nada ao dizer que Sarney não podia ser tratado como uma pessoa comum. Espera-se de um presidente da República mais responsabilidade sobre o que diz (mais um fora entre tantos outros, como afirmar que desmatadores da Amazônia não são bandidos ou passar a mão na cabeça do presidente do Irã).

O que está em jogo é a reestruturação de poder no Senado, moldado pelo próprio José Sarney e pelo senador Antonio Carlos Magalhães, morto em 2007. O senador tem história e condições de reunir a maioria que o elegeu em fevereiro passado - e, antes disso, salvara o mandato do senador Renan Calheiros - para fazer as mudanças necessárias. Mas talvez já não baste a demissão de um diretor, como se cogita. Pode ser que ocorra o que vem acontecendo desde a crise que, em vez de cassar, preservou o mandato de Renan Calheiros (2007) - o que era ruim ficou pior.

Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras

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