quinta-feira, 25 de junho de 2009

Na Argentina, a contenção do populismo desenfreado

Jarbas de Holanda
Jornalista

Para compensar a alta rejeição da presidenta Cristina Kirchner em Buenos Aires e outras grandes cidades, como Córdoba, seu governo exacerba o clientelismo e a retórica de envolvimento da população mais carente e pouco informada das periferias urbanas, num enorme esforço para evitar dois dividendos muito negativos para o oficialismo no pleito parlamentar do próximo domingo: a perda de maioria no Senado (de par com o enfraquecimento na Câmara) e a derrota de Néstor Kirchner como candidato a deputado federal pela província de que a capital faz parte. E os oposicionistas estão denunciando a preparação de fraude eleitoral pelo governo para ampliar a votação do marido da presidenta de 1,5 a 3%, propiciando-lhe assim superar o principal adversário, Francisco De Narváez, do bloco União-PRO. A fraude consistiria na falta de cédulas do adversário nas mesas das urnas (com o desvio antecipado delas) e na entrega de vários documentos de identidade, títulos, a um mesmo eleitor, para que ele vote duas ou mais vezes em outras seções.

A enorme queda da popularidade dos Kirchers – da folgada vitória que tiveram na eleição presidencial do fim de 2008 até os baixíssimos índices de aprovação a Cristina (só 19% na capital) que as pesquisas registram nos últimos meses – reflete, sobretudo, a incompatibilidade da prática de um populismo desenfreado numa economia de mercado e numa sociedade que preservam significativos controles institucionais democráticos (divisão de poderes, pluralismo político-partidário, liberdade de imprensa). Incompatibilidade configurada nos danos da subordinação do conjunto das atividades produtivas, dos investimentos privados e das decisões micro e macroeconômicas ao populismo eleitoreiro. E agravada pela completa incapacidade de respostas aos efeitos da crise global.

Eis uma das conseqüências das ações do governo com essas características, destacada na coluna de Sonia Racy, no Estadão, de ontem: “A que ponto chegou a política do casal Kirchner. Enquanto o governo brasileiro lança pacote de R$ 10 bilhões a favor da agricultura, a Argentina se prepara para importar tanto trigo como carne. Seria o mesmo que o Brasil importar café. A informação circulou na imprensa de Buenos Aires: o campo argentino terá em 2010 o pior resultado dos últimos 100 anos. A plantação de trigo será “do mesmo tamanho que a de .... 1902”.

Trata-se de contextos, político-institucional e econômico bem diversos dos da Venezuela de Hugo Chávez. Onde o Executivo já controla o Congresso e o Judiciário, sem enfrentar bloqueios institucionais para a ampla estatização que processa, e sufoca o que resta da liberdade de imprensa (que resiste bravamente). Tudo isso facilitado nos últimos anos pela manipulação dos vultosos recursos gerados pela exportação de petróleo (cujo esgotamento é que poderá implodir o domínio chavista). E de contextos bem diferentes também, felizmente e por motivos de conteúdo oposto, do que acontece no Brasil. Onde a alta popularidade e o sucesso político do presidente Lula se devem ao pragmático mix de seu populismo moderado com a preservação e até o reforço dos fundamentos macroeconômicos pró-mercado que herdou dos governo FHC; à combinação de um questionado projeto desenvolvimentista de maior papel do Estado mas em parceria com grandes grupos empresariais; e ao respeito à institucionalidade e aos valores democráticos da sociedade brasileira (até porque fracassou o projeto do mensalão).

Voltando à Argentina, a derrota em menor ou maior escala dos Kirchners, no próximo domingo, inviabilizará o avanço ou forçará a reversão do populismo irresponsável que eles têm praticado. E representará um importante e oportuníssimo sinal positivo para a defesa e a afirmação da institucionalidade democrática nas Américas do Sul e Central, com vários países ameaçados pela onda de populismo autoritário e radical de Hugo Chávez e seus seguidores ou comparsas.

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