quarta-feira, 17 de junho de 2009

O flerte do PV com Marina Silva

Rosângela Bittar
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Por sua biografia, prestígio internacional, coerência de ideias, coragem, Marina Silva poderia escolher qualquer partido, especialmente se estiver mais à esquerda, onde vem se situando antes mesmo dos primeiros passos eleitorais dados no Acre, para criar sua base de atuação.

Contudo, não cogitou ainda de transferir-se do PT, o Partido dos Trabalhadores, onde ingressou depois de, primeiro, militar na CUT como líder seringalista do grupo do já lendário Chico Mendes, para qualquer outra agremiação.

Isto não significa que as legendas não estejam cobiçando a líder ambientalista.. O Partido Verde (PV) saiu na frente, quer Marina para ser sua candidata a Presidente da República e está se adiantando porque, nas avaliações que fez, considera pífio o apoio que o PT dá a ela, às suas teses, a seu trabalho. O PT e, mais que ele, o governo Luiz Inácio Lula da Silva inteiro, do qual Marina foi a ministra do Meio Ambiente do primeiro mandato e do início do segundo.

O PV tem uma avaliação pior da relação da senadora com o PT e o governo do que ela própria.

Olhando de fora, avalia o Partido Verde que ela não conseguiu espaço no PT, tem sido motivo de ironias por suas posições consideradas radicais, não tem interlocutor para estabelecer o diálogo, não é vista como símbolo, o ícone que realmente é.

A ex-ministra não parece descortinar cenário tão negativo nas suas relações com o partido.

Objeções que fez à MP 458, da regularização fundiária, foram seguidas por quase todos os senadores petistas, com exceção de apenas um. Isto a acalenta e dá combustível partidário. Mas quem tem razão é o PV, é realmente pouco.

Na verdade, Marina Silva coleciona derrotas nas lutas que enfrenta pelo Meio Ambiente, tantas quantos são os prêmios nacionais e internacionais com que é agraciada mundo afora. Hoje mesmo está na Noruega para receber troféu e US$ 100 mil do prêmio "Sofia 2009", da Fundação Sophie, "por sua coragem, criatividade, habilidade de fazer alianças e sobretudo pelos resultados alcançados na luta pela preservação da Amazônia". Este é o quarto prêmio internacional que recebe depois que deixou o governo e voltou ao Senado, há um ano: do príncipe Philip da Inglaterra, ganhou a medalha Duque de Edimburgo, em reconhecimento a sua luta em defesa da Amazônia brasileira (o mais importante concedido pela WWF); recebeu, também, o "World Rainforest Award", concedido pela Rainforest Action Network (RAN) como reconhecimento por seu compromisso de proteger a floresta tropical; e o XIV Premio N"Aitun 2009, destinado a pessoas e instituições que se destacam na defesa do meio ambiente.

A senadora venceu outros dez prêmios internacionais, ganhou dezenas de prêmios e medalhas nacionais e já foi escolhida, pelo jornal britânico "The Guardian", em 2007, uma das 50 pessoas em condições de ajudar a salvar o planeta. As derrotas, porém, têm igual calibre. Marina, em entrevista à revista "Época", neste fim de semana, disse, sobre a ministra Dilma Rousseff, a mais poderosa integrante do governo e candidata à sucessão do presidente Lula, que a chefe da Casa Civil não tem uma visão de sustentabilidade ambiental igual à sua. "Ela ainda tem uma relação muito forte com a visão tradicional e antiga de desenvolvimento". A senadora criticou também o governo como um todo, sem isentar o Presidente Lula. Disse que a MP 458 foi a pior iniciativa do governo até hoje, praticamente atribuindo à medida a frustração de "30 anos de luta para evitar que a Amazônia virasse uma terra sem lei". Sobraram farpas também para o ministro das estratégias, Mangabeira Unger.

No governo, Marina perdeu o Plano Amazônia Sustentável para o ministro Mangabeira Unger (uma das gotas d"água para sua saída do Ministério, a outra foi Lula ter afrouxado o pacote ambiental que previa restrição de crédito rural e recadastramento fundiário nos 36 municípios campeões de desmatamento); foi voto único e vencido contra a retomada das obras de Angra 3; foi derrotada na liberação comercial dos transgênicos para o ex-ministro da agricultura, Roberto Rodrigues; assistiu à ministra Dilma Rousseff atropelar o licenciamento do rio Madeira.

Desde a volta ao Senado coleciona derrotas parlamentares: da MP 458, de regularização fundiária, à criação do Ministério da Pesca com a usurpação de poderes do Ibama sobre fiscalização e licenciamentos; da taxa de compensação ambiental sobre valor de obras, ao código florestal que pode, realmente, vir a ser uma das maiores derrotas dos ambientalistas para os ruralistas. A senadora concorda que a questão ambiental é períférica para governo, para empresas e vários setores da sociedade, mas suas ideias têm adesão no seu partido. A desproporção, porém, é evidente vista de fora.

O Partido Verde já teve com ela duas ou três conversas objetivas, bem inseridas no jogo da sedução, mas Marina não deu qualquer sinal de que é possível transferir-se, no momento, para uma agremiação que trate suas preocupações como o centro do mundo. O PV aponta, para Marina, uma candidatura ao que ela quiser, Senado, Câmara, Governo, mas o que gostaria mesmo o Partido Verde é tê-la como candidata a Presidente da República, ficando Fernando Gabeira como candidato a Senador, por este caminho, agregar votos para a estruturação do partido.

Já existe um blog dos partidários desta postulação que a ex-ministra atribui, modestamente, a "coisa de estudantes". Segundo análises preliminares, Marina teria uma votação maior do que a possível, hoje, para a ex-senadora Heloisa Helena, por exemplo, que está, inclusive, perdendo o eleitorado do funcionalismo público, novamente reconciliado com Lula. Marina Silva teria espaço garantido na classe média, onde o PV se vê, também, com base sólida. E poderia iniciar sua trajetória com 8% a 9% dos votos, reunidos pelo seu carisma e suavidade, atributos que são seus mais do que de outros bem sucedidos candidatos.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

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