sexta-feira, 19 de junho de 2009

O longo inquilinato do PMDB

Maria Cristina Fernandes
DEU NO VALOR ECONÔMICO


A declaração do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, de que o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), deve pairar acima dos homens comuns é tão disparatada quanto reveladora do poder que as disputas internas no Congresso têm no jogo sucessório.

Só houve um ano comparável ao de 2009, o de 2001, quando aconteceram as movimentações que selaram o cenário político da sucessão presidencial de um governo de oito anos.

Da redemocratização até a chegada do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ao poder, o PMDB havia reinado inconteste no Senado. A aliança entre tucanos e pefelistas que conquistou a Presidência em 1994 , manteve a hegemonia pemedebista do Senado, com a eleição de José Sarney que, embora dividisse com os pefelistas a origem no PDS, estava filiado ao PMDB desde que se tornara vice de Tancredo Neves.

Foi com o sucessor de Sarney no cargo, o senador baiano Antônio Carlos Magalhães, que o PFL chegou oficialmente à presidência da Casa em 1997. O cargo não voltaria mais a ser ocupado pelo partido, a não ser nos 58 dias de Edison Lobão (MA) em 2001. ACM foi o único senador não-pemedebista eleito presidente da Casa dos últimos 25 anos. Assim como Lobão, o petista Tião Viana (AC) apenas exerceu um mandato tampão em 2007.

Ao final do comando carlista do Senado, já estava sinalizado que o avanço do PMDB na aliança com os tucanos para a sucessão de FHC levaria de volta ao partido a primazia na Casa.

Este movimento também seria fortalecido na Câmara. O PFL veria naufragar a candidatura do deputado Inocêncio Oliveira (PE) quando o PMDB, aliado ao PSDB, reverteria a regra consuetudinária que dava à maior bancada eleita a preferência e elegeria o então deputado tucano Aécio Neves (MG) à presidência da Casa.

O ano de 2001 seria marcado pela troca de acusações entre ACM e o senador Jader Barbalho (PMDB), que o sucederia no cargo com o apoio do Palácio do Planalto. Ambos seriam obrigados a renunciar - ACM, pela participação da quebra de sigilo do painel eletrônico do Senado, e Jader, pelo sigilo fiscal e bancário quebrado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em investigação sobre desvios no Banpará.

À queda de ACM seguiria-se o empenho do comando do PFL, ao longo de 2001, em viabilizar a candidatura da governadora Roseana Sarney (MA). Ao final do ano, o Datafolha colocava a candidata pefelista em segundo lugar, atrás de Lula, ultrapassando Ciro Gomes e jogando poeira em José Serra, que, naquele momento, situava-se em 6º lugar.

A candidatura Roseana não resistiria à operação da Polícia Federal que, no início de 2002, fizera uma apreensão de R$ 1,34 milhão no escritório do marido da governadora. Sarney atribuiu a operação aos aliados de Serra na PF. A tensão no relacionamento entre eles dura até hoje.

Com o naufrágio da candidatura Roseana, o PFL se dividiria entre Ciro, Serra e a neutralidade. O deputado cearense colhia elogios do partido à medida que subia nas pesquisas. Vítima de sua verborragia, Ciro, que era candidato da aliança PPS, PTB e PDT, refluiu, enquanto Anthony Garotinho (PSB) o ultrapassaria e terminaria a disputa em terceiro lugar.

No segundo turno, Serra teve dificuldade em reagrupar o PFL. Também não conseguiu atrair a maioria dos votos de Ciro e Garotinho que, juntos, tiveram votação superior à sua. E, apesar de ter uma vice pemedebista (Rita Camata), não conseguiria evitar que lideranças do partido, como o então governador de Minas, Itamar Franco e Orestes Quércia, além de Sarney, aderissem a Lula.

O economicismo que vê na urna uma simples extensão do bolso dos eleitores, sempre pode atribuir o fracasso de FHC em fazer seu sucessor exclusivamente à galopada dos juros, da inflação e da renda salarial.

Ignora-se que a deterioração dos indicadores econômicos, antes de se traduzir nas urnas, impacta a movimentação da base de apoio político do Executivo na federação e no Congresso.

Assim como a economia, sozinha, não derrotou Serra, não é apenas o bom desempenho no enfrentamento da crise mundial que levará Lula a eleger a ministra Dilma Rousseff presidente.

Assim como Roseana, Ciro e Garotinho demonstraram potencial em angariar os votos dos insatisfeitos e arregimentar apoio político em torno de si, num cenário de rearranjo da aliança governista, talvez seja cedo para dizer que a polarização entre Serra e Dilma esteja sacramentada para 2010 num Senado conflagrado.

Um dos motivos por que o PMDB reina quase absoluto no Congresso Nacional é pelo fato de, apesar de não ter candidato à Presidência da República desde 1994, manter-se como principal força eleitoral em Estados e municípios.

Com a infeliz defesa de Sarney, Lula sinalizou para a importância de se manter essa aliança. O PMDB do Senado, ameaçado pela rivalidade de pólos de poder internos, também pode atomizar seu apoio no cenário eleitoral de 2002 entre candidatos que, a exemplo de Dilma, também se vendam como pós-lulistas.

Essa percepção foi o que levou Lula a abrir as portas para que o PMDB, no início do ano, chegasse à Presidência de ambas as Casas, como não acontecia há 16 anos. A aliança entre PSDB e PT no Senado, que culminou com a derrotada candidatura de Tião Vianna (PT-AC) à presidência do Senado, é uma tentativa de resistir à essa hegemonia, mas tem fôlego curto pela rivalidade de seus projetos nacionais de poder.

Se o pragmatismo de Lula pode ter como desfecho uma bem sucedida dobradinha PMDB/PT, também parece certo que essa aliança, estendida à primazia do partido nos palanques estaduais, reforçará a hegemonia pemedebista no Senado. A legenda nutre-se do mais enraizado poder político do país. E não há como podar os vícios que imprimiu ao Congresso, frutos de poder desmedido e de rara alternância, sem fazer concorrência à origem da força pemedebista, o poder local. Ao buscar garantias à permanência de seu partido no mais alto cargo da República, Lula também impõe limites à transformação da política nacional.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

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