sexta-feira, 5 de junho de 2009

O Parlamento do Mercosul e o eleitor

Maria Cristina Fernandes
DEU NO VALOR ECONÔMICO

A menos de quatro meses para a definição das regras que presidirão a eleição para a bancada brasileira no Parlamento do Mercosul, inexiste consenso no Congresso Nacional sobre o tema. Será a primeira vez que o Brasil elegerá uma bancada de deputados e senadores para atuar exclusivamente no âmbito do parlamento do bloco que está sediado em Montevidéu.

Hoje a representação brasileira é de 18 parlamentares (metade de cada Casa), assim como a dos outros três países-membros: Paraguai, Uruguai e Argentina. Depois de árdua negociação, estabeleceu-se um cronograma para a entrada em vigor de uma representação mais proporcional à população de cada país.

Pelo acordo, Brasil e Argentina elegerão, respectivamente, 37 e 26 em 2010 e 75 e 32 em 2014. Uruguai e Paraguai se manterão nos atuais 18. Este último opôs forte resistência à proposta brasileira de reduzir o número de integrantes do Parlamento com o argumento de que já havia realizado eleições para seus representantes. Foi o único dos quatro países que já o fizeram.

Atualmente apenas três projetos tramitam na Casa. Um de autoria do deputado Carlos Zarattini (PT-SP) propondo escolha por lista fechada composta a partir do peso de cada região na Câmara Federal e dois da senadora Marisa Serrano (PSDB-MS), que tratam da cota por sexo na distribuição de vagas e da propaganda em rádio e TV para a campanha eleitoral dos candidatos.

Nem mesmo dentro dos partidos há consenso sobre o formato ideal do processo eleitoral. Na próxima semana, o deputado Dr. Rosinha (PT-PR) deve protocolar um projeto de lei, também por lista fechada, mas composta a partir de vagas estaduais e não por região. Por essa proposta, pelo menos 21 Estados teriam um único representante, enquanto São Paulo poderia chegar a cinco, Minas a três e Rio de Janeiro, Bahia, Rio Grande do Sul e Paraná a dois parlamentares.

Não há sequer convergência sobre a necessidade de uma mudança da Constituição prévia ao regulamento da disputa eleitoral. Apesar de o Parlamento do Mercosul não ter função legislativa, cabendo-lhe apenas fazer recomendações ao conselho executivo do bloco ou elaborar projetos de lei a serem enviados aos respectivos parlamentos nacionais, há quem veja na sua atuação uma afronta à cláusula pétrea da soberania.

Mais grave que o dissenso é o debate incipiente do tema no Congresso, reflexo do pouco interesse dos partidos no Parlamento do Mercosul. O bloco sequer consta das diretrizes da maioria dos partidos. Todos falam vagamente da necessidade de se aumentar a integração regional, mas sem menção específica ao Mercosul.

O PT foi o único a realizar um seminário específico para o debate do bloco, ainda assim numa conjuntura (1993) em que parecia estar mais interessado em colocar em evidência sua oposição à política externa do Executivo do que propriamente incorporar o tema na ação política do partido.

Esse desinteresse se deve em grande parte à dificuldade de aquinhoar votos com política externa. E o distanciamento do eleitor do tema vem, em grande parte, ao pontificado do Itamaraty nas diretrizes da política externa brasileira. Pela Constituição, cabe ao Congresso apenas ratificar tratados internacionais, autorizar a entrada do país em guerras ou sancionar acordos de paz.

Mas se este insulamento do Itamaraty aprofundou-se numa conjuntura econômica de substituição de importações, a inserção brasileira no cenário internacional se modificou com a globalização, o que, acabou atraindo o interesse da sociedade civil, impactada por esta abertura.

Os setores empresariais são os mais visivelmente atraídos pelo tema, dado o peso que a diversificação das relações comerciais do Brasil adquiriu. Ainda que o impacto da crise econômica nos parceiros brasileiros do Mercosul fez com que fosse carreado para a China e não para o bloco o espaço perdido para as exportações brasileiras no mercado americano, é generalizado o reconhecimento dos avanços na integração comercial da região.

A dificuldade de atrair o interesse do eleitor comum pelo parlamento do bloco não é uma exclusividade do Mercosul. Na União Europeia, bloco mais antigo e melhor institucionalizado que o do Mercosul, as eleições que começaram ontem e vão até domingo estão sendo presididas pelo descrédito do eleitor.

Mas essa perda de legitimidade do Parlamento Europeu é, em grande parte, relacionada à crise econômica contra a qual os cidadãos veem a ação de seus representantes no bloco ter pouca efetividade.

A América do Sul, apesar de atingida, ainda é considerada uma região à qual abriram-se oportunidades na crise econômica mundial. O Parlamento do Mercosul funcionaria, assim, como uma caixa de ressonância dos interesses sociais nas decisões do bloco. A finalidade da eleição direta de seus representantes é conferir mais legitimidade a esta representação.

A proposta da entrada da Venezuela no Mercosul demonstra que não é impossível atrair o interesse do cidadão comum. O Mercosul sempre foi um tema mais afeito aos Estados do Centro-Sul, que têm relações comerciais ou fronteiras com os países do bloco. A entrada da Venezuela no Mercosul já desperta mais interesse pelo bloco nos Estados do Norte. Pela proximidade geográfica, o ingresso venezuelano é visto no Norte como uma forma de aproximar a região dos temas do Mercosul.

Este é um dos problemas dos partidos de oposição nas eleições para a bancada brasileira no Mercosul. Como a oposição, notadamente PSDB e DEM, tem se destacado no ataque à entrada da Venezuela no bloco, é de se esperar que os candidatos desses partidos ao Parlamento do Mercosul venham a ter dificuldades de serem escolhidos para as vagas a serem reservadas aos Estados do Norte.

Ao Executivo, que tem sido protagonista nesses quase 20 anos de funcionamento do bloco, caberia dar o exemplo de valorização da representação nacional no Parlamento do Mercosul. Os ministros, por exemplo, têm sido insistentemente convocados para debater com a bancada brasileira as políticas setoriais de integração. E têm, solene e reiteradamente, ignorado o convite.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

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