domingo, 7 de junho de 2009

Transparência total

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


O processo de escolha da juíza Sonia Sotomayor, uma descendente de hispânicos, como a primeira indicação do presidente Barack Obama para o cargo de ministra da Suprema Corte dos Estados Unidos, anunciada no dia 26 de maio, começou em uma segunda-feira, 27 de abril, quando ela foi contatada por Gregory Craig, conselheiro da Casa Branca, que a sondou sobre a possibilidade de uma futura vaga na Suprema Corte. Entre aquela data e o momento do anúncio, um mês depois, ela teve frequentes conversas telefônicas com Cassandra Butts, viceconselheira da Casa Branca, incluindo telefonemas quase diários a partir do momento em que o juiz David Souter anunciou, a 1ode maio, sua intenção de renunciar ao cargo no final do corrente termo da Suprema Corte

Em 14 de maio ela foi entrevistada por Leslie Kiernan, um advogado do escritório Zuckerman Spaeder LLP. No sábado, 16, foi entrevistada por telefone por Gregory Craig, Cynthia Hogan, conselheira do vice-presidente, Ron Klain, chefe da equipe do vice-presidente, David Axelrod, conselheirosênior do presidente, Daniel Pfeiffer, vice-diretor de comunicações da Casa Branca e Cassandra Butts.

Na quinta-feira, dia 21, foi novamente entrevistada por membros da administração federal, incluindo Gregory Craig, Cassandra Butts, a conselheiraassociada do presidente Susan Davies, o chefe de gabinete da Presidência, Rahm Emanuel, David Axelrod, Ronald Klain e Cynthia Hogan.

Finalmente, teve uma entrevista pessoal com o presidente Barack Obama em 21 de maio e, no domingo, dia 24, conversou por telefone com o vice-presidente Joe Biden.

Ela teve também inúmeras conversas telefônicas com diferentes grupos formados pelas pessoas citadas acima. Outras pessoas participaram eventualmente nessas conversas, incluindo Trevor Morrison e Alison Nathan, conselheirosassociados do presidente, e Diana Beinart, conselheira de impostos.

Sotomayor recebeu bolsas de estudos durante os quatro anos na Universidade de Princeton e nos três anos na Universidade de Direito de Yale.

Foi graduada summa cum laude em Princeton, que a premiou como covencedora do Prêmio M. Taylor Senior Pyne por excelência acadêmica e serviços prestados à universidade.

Entre os muitos prêmios e honrarias que recebeu, o mais recente foi o de “Mujeres Destacadas”, do jornal “La Prensa”, em 17 de maio. No momento, tem US$ 31.985 na conta do banco, deve US$ 15.823 em cartões de crédito, tem uma conta no dentista estimada em US$ 15 mil, uma casa avaliada em US$ 1.017.500 e uma hipoteca de US$ 381.775.

Todas essas informações estão à disposição dos cidadãos do mundo através da legislação de acesso à informação dos Estados Unidos. Estão contidas em um documento de 173 páginas como resposta ao questionário do Comitê Judiciário do Senado, que é público.

A única informação que não está no questionário é sobre a investigação que o FBI faz rotineiramente sobre os indicados para a Suprema Corte.

O questionário do Senado dispensa a descrição dessas investigações Obama tem enfatizado basicamente três virtudes de sua candidata: primeiro, a experiência profissional (quase duas décadas como juíza, além de ter trabalhado anos como promotora pública). O perfil está de acordo, segundo o professor Diego Werneck Arguelhes, da Fundação Getúlio Vargas, com a tendência à “tribunalização”/“ profissionalização” da Suprema Corte, que, pela primeira vez na história do país, é composta apenas por pessoas que tiveram experiência prévia em funções judiciais, ainda que por um curto período de tempo.

As credenciais de Sonia Sotomayor são “estelares”, como se vê na descrição de sua passagem por Princeton e Yale e, sobretudo, em sua história de vida, vista como única, se comparada à elite jurídica dos EUA, e representativa, em relação a uma parte muito grande da população do país, filha de pais portorriquenhos e, portanto, “hispânica”.

Diego Arguelhes ressalta que Obama não é o primeiro presidente a indicar um membro de uma minoria para uma posição judicial de destaque como a Suprema Corte, nem essa é uma prática necessariamente ligada ao Partido Democrata.

Na verdade, foi Ronald Reagan quem nomeou a primeira mulher (Sandra Day O’Connor), e foi George Bush quem nomeou um negro (Clarence Thomas) que hoje está na corte e é tido como o mais conservador de todos os ministros da Corte — votando sistematicamente contra qualquer medida de ação afirmativa orientada a negros, por exemplo.

Ele era um candidato perfeito para Bush: extremamente conservador, mas, sendo negro e de origem humilde, tinha um appeal muito grande junto a uma parcela substancial do eleitorado.

Para Arguelhes, Obama parece optar por uma estratégia parecida ao indicar Sotomayor: já disse que ela vai trazer para a Corte “a sabedoria acumulada em uma jornada de vida inspirada”.

Sotomayor, por sua vez, enfatizou no seu primeiro pronunciamento após a indicação a sua experiência vivida como uma importante qualificação para ocupar o cargo.

Mas Sotomayor tem, no entender do professor Diego Arguelhes, duas características que Thomas não tinha: um perfil bipartidário (foi indicada a cargos judiciais tanto por Bush pai quanto por Bill Clinton) e o enfático apoio tanto de especialistas completamente “de esquerda”, como a feminista Martha Minow, de Harvard, e completamente conservadores, como Stephen Carter, de Yale.

A única posição realmente forte e explícita que assumiu sobre o papel do juiz, segundo Arguelhes, foi acadêmica, e não judicial: ela já afirmou em palestras e nos artigos que publicou que o fato de ser mulher, de ser descendente de imigrantes e de ter passado por experiências de privação na infância afetou a sua visão do direito e o próprio resultado das decisões que precisa tomar como juíza.

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