segunda-feira, 20 de julho de 2009

CPMF: Governo é acusado de negligência administrativa

Gustavo Paul – Brasília
DEU EM O GLOBO

Para tributaristas e oposição, verba paga a mais terá de ser devolvida
O governo terá de cobrar a devolução do que pagou pelo equivalente à extinta CPMF nos contratos com fornecedores mesmo após o fim do tributo do cheque, derrubado pelo Congresso há um ano e meio. Gestores governamentais também poderão ser responsabilizados pelos prejuízos aos cofres públicos. Para tributaristas, os pagamentos, descobertos em auditorias do TCU e revelados ontem pelo GLOBO, são um caso típico de negligência administrativa.

PSDB e DEM, da oposição, anunciaram que vão exigir a devolução do dinheiro e a revisão dos contratos.

Pela devolução do dinheiro

Tributaristas e oposição dizem que governo precisa cobrar de volta gastos com CPMF extinta

O governo terá de pedir a devolução do equivalente à Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) pago nos últimos meses a fornecedores e rever os contratos que ainda incluem o pagamento do tributo, apesar de ele ter sido extinto pelo Congresso há um ano e meio. Essa é a avaliação de tributaristas e parlamentares da oposição ouvidos ontem pelo GLOBO. Na opinião dos especialistas, os gestores públicos responsáveis pelos contratos também poderão ser responsabilizados pelo ressarcimento aos cofres públicos.

De acordo com reportagem publicada ontem pelo GLOBO, o Tribunal de Contas da União (TCU) constatou que órgãos e empresas do governo continuam repassando o valor do tributo, já extinto, a fornecedores. Essa prática seria generalizada na administração pública e teria dado prejuízo de milhões aos cofres públicos.

Para o tributarista Ives Gandra Martins, trata-se de um típico caso de inércia administrativa. Como a contribuição foi extinta em dezembro de 2007, não há fato que justifique sua cobrança contratual. Mas, em princípio, Gandra não acredita em má-fé dos gestores: — As empresas que receberam têm de devolver, porque o governo repassou o valor de um imposto que já não existe. Mas os gestores não se aperceberam disso. A burocracia brasileira é esclerosada e tem procedimentos que se perpetuam.

A seu ver, seria responsabilidade do governo providenciar esse ressarcimento, pois este — por meio de suas empresas e órgãos — repassou-o indevidamente, causando prejuízos aos cofres públicos. Nos contratos do governo, o percentual de 0,38% da CPMF era considerado como um dos componentes do custo da obra ou do serviço e ficavam embutidos no preço.

— É algo inacreditável. O governo tem de pedir o dinheiro de volta.

Oposição também vai exigir devolução

O tributarista Everardo Maciel, exsecretário da Receita Federal e um dos pais da CPMF, também defende a devolução do dinheiro, além da revisão dos contratos. Ainda que os pagamentos estejam baseados em contratos assinados antes do fim da CPMF, Maciel afirma que há base legal para renegociação.

— Estamos diante do famoso “motivo de força maior”. Os recursos foram pagos a maior e por isso o dinheiro tem de ser devolvido.

Para Maciel, o caso caracteriza negligência administrativa por parte dos gestores públicos, que têm obrigação de zelar pelos recursos públicos: — Cada contrato público tem um responsável por sua execução. O que se vê é algo absurdo e mostra a forma descuidada como são tratados esses assuntos. O gestor pode ter de responder por desídia (desleixo e descaso) e negligência.

A oposição promete brigar para que o dinheiro retorne aos cofres públicos. O presidente do DEM, deputado Rodrigo Maia (RJ), vai reunir hoje os advogados do partido para avaliar qual será a representação a ser adotada. Segundo ele, existe a possibilidade de entrar com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) ou no TCU.

— Queremos, no mínimo, a devolução desses recursos e a responsabilização de quem não tirou essa cláusula dos contratos — afirma Maia.

Os tucanos também vão se mobilizar a partir de hoje em torno do assunto.

Segundo o líder do PSDB na Câmara dos Deputados, José Aníbal, a assessoria técnica da bancada fará uma avaliação de quanto foi pago indevidamente desde o ano passado.

Os pagamentos a mais têm sido feitos desde janeiro de 2008: — Deve ser uma soma considerável.

Vamos levantar os contratos e esses valores. Os cofres públicos não podem ficar com esse prejuízo.

Aníbal foi irônico ao comentar as cobranças feitas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre os empresários, que não repassaram aos preços o fim da cobrança da contribuição: — Se a metamorfose ambulante (Lula) parasse de viajar e ficasse mais tempo no país, poderia ver que seu próprio governo está pagando mais do que devia.

A devolução do dinheiro pode não ser algo tão simples, alega o vicelíder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR). Segundo ele, não há ilegalidade na cobrança da CPMF, pois ela consta dos contratos. A repactuação, porém, dependerá de um acordo entre o contratante e o fornecedor. Neste caso, a negociação poderá incluir outros itens de custo e acabará sendo ruim para os cofres públicos: — Cabe ao órgão do governo pedir a revisão do contrato. Mas o fornecedor poderá pedir para incluir a variação de outros preços, como o do combustível e aumentos salariais. Esse é o risco das discussões.

Segundo uma fonte ligada à área jurídica do governo, a devolução dos recursos — se ocorrer — deverá ser feita por meio administrativo, e não pela Justiça. O governo não teria interesse em judicializar a discussão com fornecedores. Mas, caso decida fazê-lo, a via mais provável seria através da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, subordinada ao Ministério da Fazenda

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