domingo, 5 de julho de 2009

Crises embaladas por reeleições

Janaína Figueiredo
Correspondente • Buenos Aires
DEU EM O GLOBO


Nos governos sucessivos, temor de acúmulo de poder e instabilidade gerados por presidentes

GOLPE NA AMÉRICA CENTRAL

Nos últimos anos, vários países latino-americanos enfrentaram crises políticas desencadeadas pela decisão de seus governos de realizar referendos e convocar assembleias constituintes para modificar as leis nacionais. Em todos esse casos, os governos da região buscaram, entre outras medidas, alterar as regras de alternância no poder.

O pioneiro dessa tendência foi o peruano Alberto Fujimori, no início da década de 90, mas o caso mais polêmico foi o do presidente Hugo Chávez, que em fevereiro conseguiu aprovar, em referendo popular, uma emenda constitucional que deu sinal verde à reeleição indefinida na Venezuela.

Quando Chávez assumiu o poder, em janeiro de 1999, as leis do país permitiam apenas uma reeleição, com a obrigatoriedade de esperar um intervalo de, no mínimo, dois mandatos.

A mais recente reviravolta ocorreu em Honduras, após o presidente Manuel Zelaya apresentar uma proposta para um plebiscito sobre uma Constituinte que permitisse a reeleição presidencial — algo proibido pela Carta do país. Na visão de analistas da região, a atitude adotada pelos governos do continente acaba ferindo a democracia que todos dizem defender.

— Na Venezuela, hoje temos um presidente semiconstitucional. Um presidente eleito nas urnas, mas que persegue opositores, manipula os poderes eleitorais e controla as principais instituições do país — afirmou Carlos Romero, professor da Universidade Central da Venezuela (UCV).

Segundo ele, “o que está acontecendo no continente é consequência da exportação de um pacote ideológico que inclui, entre outras questões, a necessidade de reeleger presidentes”.

— Zelaya comprou o pacote ideológico de Chávez e por isso tentou avançar na aprovação da reeleição — disse Romero.

Campo fértil após ditaduras militares

Diferentes ideologicamente, Chávez e o presidente colombiano, Álvaro Uribe, apresentam semelhanças quando o tema é reeleição. Na Colômbia era necessário um mandato de intervalo para o presidente voltar ao poder. Impulsionado por sua política de combate à guerrilha, Uribe obteve a reforma constitucional permitindo a reeleição consecutiva, e o país discute agora um terceiro mandato.

— Podem ser diferentes, mas não respeitam as instituições — criticou Gabriel Misas, diretor do Instituto de Estudos Políticos e Relações Internacionais (Iepri), da Universidade Nacional da Colômbia.

Misas observa que a reeleição aumenta a influência do presidente sobre as instituições. Em dois mandatos, Uribe já nomeou cinco dos nove juízes da Corte Constitucional e dois dos cinco diretores do Banco Central. Um terceiro mandato expandiria ainda mais sua influência, transformando-o numa espécie de superpresidente.

Para Misas, a busca pela reeleição encontrou um campo fértil na América Latina após uma sucessão de ditaduras militares, seguidas por governos neoliberais não tão bemsucedidos e o surgimento de líderes vistos quase como parte de movimentos messiânicos.

Já o venezuelano Romero vê uma espécie de pacote chavista, que inclui, também, uma “política exterior antiamericana, o controle de empresas privadas, um governo personalista, o controle de outros poderes do Estado, a radicalização da política social e a utilização política das massas”.

Chávez foi empossado em 1999. No ano seguinte, reformou a Constituição, permitindo a reeleição imediata.

Em 2000, ele venceu pela segunda vez uma eleição presidencial e esse foi considerado seu primeiro mandato (o primeiro ano e meio não foi contabilizado).

Em 2006, Chávez foi reeleito (na prática, foi sua terceira eleição presidencial) e em fevereiro deste ano o governo venezuelano venceu o referendo sobre a reeleição indefinida.

— O método chavista está sendo adotado por outros países, porque a Alba (Alternativa Bolivariana para as Américas) é uma aliança política, militar e ideológica — disse Romero.

A Bolívia, de Evo Morales, é peçachave na Alba, criada e liderada por Chávez. A nova Constituição, que provocou graves conflitos entre o Palácio Quemado e seus opositores, permite a reeleição imediata do presidente, algo que estava proibido há 40 anos na Bolívia.

Morales assumiu o governo em 2006 e seu mandato terminaria em 2011. Com as novas regras (mandato de quatro anos e possibilidade de reeleição imediata), o presidente é o grande favorito para as eleições de dezembro, com chances de permanecer no poder outros quatro anos.

— O governo queria a reeleição indefinida, como na Venezuela, mas a oposição conseguiu impedir isso — disse Carlos Cordero, da Universidade Maior de San Andrés, de La Paz.

Para o analista boliviano, “o grande temor dos opositores de Morales é que o presidente continue tentando modificar as regras do país, para permanecer indefinidamente no poder”: — Evo costuma dizer que vai ficar 20 anos no Palácio Quemado.

Antes da chegada do presidente Rafael Correa ao Palácio Carondelet, o presidente da República era o único cargo para o qual não se podia ser reeleito no país. Uma das primeiras medidas de Correa foi a convocatória, por decreto, de um referendo sobre a realização de uma assembleia constituinte.

A iniciativa foi vetada pelo Congresso mas, em decisão até hoje considerada polêmica, o Tribunal Superior Eleitoral viabilizou o decreto presidencial.

A assembleia se tornou realidade e o país ganhou nova Constituição, que permite a reeleição imediata.

— A disputa sobre a realização da assembleia provocou muita tensão. A aliança entre o presidente o tribunal eleitoral esteve no limite da legalidade — afirmou Franklin Ramírez, pesquisador da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), de Quito.

O analista considera que “a diferença entre Correa e seus parceiros da Bolívia e da Venezuela é que o presidente equatoriano não tem um partido forte, nem tradicional. Sua força é a popularidade, e com ela o presidente tenta pressionar outros poderes”.

Este ano, Correa foi reeleito por outros quatro anos e, como no caso da Venezuela, seus primeiros dois anos não foram contabilizados. Portanto, o presidente equatoriano poderia voltar a disputar a Presidência em 2013.

Colaborou Cristina Azevedo

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