quarta-feira, 15 de julho de 2009

Depois da crise

Míriam Leitão
DEU EM O GLOBO

A OCDE tem um bom diagnóstico sobre o Brasil com boas e más notícias: o país não passou incólume pela crise internacional, mas está superando o momento bem melhor do que inúmeras economias, graças a reformas e mudanças que foram feitas ao longo dos últimos anos. Mas o governo está aumentando demais os gastos correntes e as despesas públicas não são eficientes.

Esse, em resumo, é o relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre o Brasil. O longo documento, divulgado pelo próprio secretário-geral, Angel Gurría, tem muitos dados, mas todos mostram que o nível da carga tributária, despesas sociais, e custo do governo são muito mais altos do que de outros emergentes e têm dimensão às vezes próxima de países ricos.

Entrevistei Gurría, em Brasília, para a GloboNews, e ele disse que espera que o país faça a reforma tributária. Elogiou os princípios da reforma do governo que é a unificação de impostos sobre valor agregado e simplificação: — O sistema tributário brasileiro é complexo, pesado, difícil de entender e permite práticas predatórias entre estados. Precisa ser simplificado. Eu espero que o governo aprove a reforma que propôs.

Eu expliquei que o governo não tem demonstrado muito empenho para que a proposta seja aprovada. Ele disse esperar que o governo mude a atitude porque a redução do peso dos impostos sobre a economia é fundamental.

A OCDE continua com a previsão de -0,8% para o PIB brasileiro deste ano. Isso é muito pior do que o governo está prevendo, que é +1%, e pior também do que a média do mercado, -0,34%. Mas para Gurría, um mexicano, o que é -0,8%? Nada! Seu México natal está tendo queda de 7% do PIB este ano.

Nos corredores da TV, conversamos mais e ele disse que até no México, o pior passou: — Essa queda já não reflete o que está acontecendo, isso foi a profundidade do impacto que houve na economia no último trimestre de 2008 e começo de 2009. A queda chegou no primeiro trimestre a 24% em termos anualizados.

O México exporta manufaturados para os EUA e foi exatamente nesta área que a crise foi mais forte. E além disso teve a gripe suína.

Quando a gente ouve um mexicano falar, fica realmente mais calmo em relação à crise no Brasil. Com o comércio mais diversificado, economia mais dependente do mercado interno, o Brasil teve uma queda forte porque estava crescendo a 5% e sofreu uma retração de 1,8% no primeiro trimestre. Mas a situação definitivamente não está nem mexicana, nem russa.

Conferi com Gurría a tabela das previsões da OCDE.

A Rússia, que estava crescendo a 7%, vai cair 7% este ano. Ele define o que acontece por lá como “queda livre”.

A Irlanda também teve queda semelhante: — Os pacotes fiscais foram enormes e estão tirando o mundo da crise.

O Brasil deve crescer 4% em 2010, e, pela OCDE, neste segundo semestre já estará retomando o crescimento.

O problema do Brasil detectado pela Organização é mais permanente: o da ineficiência do gasto público. A OCDE não fala por falar. Ela tem feito comparações como o PISA, um teste de desempenho dos estudantes. O Brasil tem sempre números sofríveis, apesar de ter um gasto público na educação em linha com o de inúmeros países onde a educação é muito mais eficiente. O relatório, apesar de citar todas as medidas de curto prazo tomadas pelo Banco Central e pelo governo contra a crise atual, joga luz sobre o crescimento sustentável de longo prazo, que tem sido o maior desafio nos últimos anos. O primeiro capítulo tem um título sugestivo: “Olhando além do desafio da crise financeira e econômica global, em direção ao crescimento sustentado”.

De acordo com o texto “para retomar o forte desempenho dos últimos anos não há espaços para complacência”.

Nem fiscal, nem de metas de inflação. Foi por isso que falando na coletiva em que lançou o documento, em Brasília, Gurría propôs que o país comece a reduzir as metas de inflação para 2011. O governo tem se mostrado satisfeito em eternizar a taxa de 4,5% ao ano, quando a média dos países desenvolvidos é muito menor.

Entre os conselhos que dá ao Brasil é que o país tenha um marco regulatório para a exploração de petróleo. As últimas notícias, no entanto, não são encorajadoras. O governo está anunciando uma alteração da forma de exploração saindo do leilão de concessões, que tem a vantagem da transparência e da escolha objetiva, para o opaco sistema de partilha que é o favorito do chavismo. O documento se limita a aconselhar que o marco regulatório seja feito com clareza e rapidez porque o atraso pode atrapalhar a atração de novos investimentos.

Para Angel Gurría, os resultados que sairão nos próximos dois trimestres serão bem melhores do que os dos últimos dois, mostrando o movimento de saída do pior da crise econômica. Inclusive os novos números da OCDE para os países que compõem o grupo são melhores do que os que foram feitos na última previsão.

Mas, mesmo quando a crise passar, os desafios para o Brasil continuarão existindo.

Foi esse olhar por cima e para além da crise que ele quis incentivar ao vir para o Brasil. Ontem mesmo ele já voltou para Paris.

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