sexta-feira, 24 de julho de 2009

'É preciso elevar o padrão ético'

ENTREVISTA: Gilberto Velho
Cláudia Lamego
DEU EM O GLOBO

Gilberto Velho critica Lula por defender aliados suspeitos de atos ilícitos

Ao defender aliados envolvidos em escândalos e investigados por crimes, o presidente Lula legitima um padrão ético e moral discutível no país. A opinião é do antropólogo Gilberto Velho, que criticou ontem Lula por relativizar supostos crimes praticados na República. Para ele, é preocupante, num “país que vive uma crise de valores”, que Lula minimize a prática de atos ilícitos. Segundo o antropólogo, as declarações de Lula são movidas por seus interesses políticos.

“Tudo em nome de um projeto político e pessoal”, lamenta.

O GLOBO: Depois de pedir ao Ministério Público que tenha cuidado com a biografia dos investigados, o presidente Lula disse ontem que é preciso relativizar os crimes. O que o senhor achou dessa declaração?

GILBERTO VELHO: Para começar, não cabe ao chefe do Executivo orientar os outros poderes sobre como eles devem proceder. Isso é preocupante com relação à distribuição do poder no país.

Ele não pode ir à posse do procurador-geral e orientar o trabalho dos procuradores.


A outra questão é que, ao minimizar faltas graves dos aliados, ele está legitimando um padrão moral e ético que é no mínimo discutível. O que está se propondo é que tudo seja investigado, não está se condenando com antecedência. Agora, houve uma série de episódios nos quais não havia dúvida sobre faltas e ilegalidades, e ele, mesmo assim, defendeu. Qual é o padrão moral que está sendo sugerido pelo presidente? É de um pragmatismo... não sei como classificar isso. É algo como a ideia de que é possível minimizar meios ilícitos, que são condenáveis sob qualquer perspectiva ética mais séria e consequente.

O GLOBO: O presidente dá mau exemplo ao defender suspeitos de atos ilícitos?

GILBERTO VELHO: Sim. Não é isso o que se espera de um chefe de Estado, que tem força e popularidade grandes, num país que vive uma crise de valores imensa. É um pouco decepcionante que ele não esteja demonstrando preocupação com a corrupção, sobretudo quando seus interesses políticos são prejudicados. É lamentável que ele confunda seus interesses com os do país. Tudo em nome de um projeto político e pessoal.

O GLOBO: Num país com tanta impunidade, qual o impacto desse tipo de conduta do presidente?

GILBERTO VELHO: Há muito tempo venho chamando atenção sobre os deslizes, irregularidades, falta de responsabilidade e de compromisso com a verdade no nosso país. Aí, vem o presidente e minimiza tudo. Ele, como pessoa, pode ter suas opiniões, e podemos discordar delas. Mas, falando como chefe de Estado, é preciso elevar o padrão ético do país. A pergunta que temos que fazer é: é importante ou não que os governantes pautem seus comportamentos pela ética? No fundo, funciona aqui ainda a máxima de que os fins justificam os meios. Achar que vale tudo porque é melhor para seu grupo ou partido é muito assustador.

O GLOBO: E quando o presidente aparece ao lado de políticos que ele mesmo já condenou no passado, como o senador Fernando Collor?

GILBERTO VELHO: Como é possível ele aparecer abraçado com o Collor, com o Renan, com o Jader Barbalho? O país se mobilizou contra o Collor, que foi eleito agora pelo clientelismo.

E Lula se alia a esse clientelismo mais atrasado. Então, o presidente passa uma esponja sobre tudo o que aconteceu e toda aquela mobilização da população não tem mais valor? É muito triste.

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