quinta-feira, 16 de julho de 2009

Futuro do presente

Míriam Leitão
DEU EM O GLOBO


O governo erra quando promete aumento real para aposentados ao mesmo tempo em que luta contra a derrubada de um veto do presidente Lula a um aumento real dado pelo Congresso aos mesmos aposentados, em 2006. O governo erra quando prepara uma mudança no marco regulatório do petróleo saindo de um sistema com competição e transparência para outro, opaco.

O governo tem errado muito em várias áreas. Erra quando tenta fazer das obras do PAC projetos acima da lei e dos bons costumes políticos e econômicos.

Obras do PAC, principalmente as estradas, querem ganhar velocidade sem respeitar os limites fiscais, ambientais e de controle pelo TCU.

Erra quando usa sua base aliada para pendurar sandices em Medidas Provisórias sobre quaisquer assuntos, dando sinais ambíguos em questões graves. No caso rumoroso e escandaloso do crédito-prêmio de IPI, deputados e senadores da base aliada e líderes do governo têm dependurado em toda MP que está indo para votação uma conta impagável e indecorosa. A nota do Ministério da Fazenda citou seis razões pelas quais o governo não pode piscar nesta questão: o custo pode chegar a R$ 280 bilhões; o subsídio aos empresários desrespeita acordos de comércio assinados pelo Brasil; qualquer acordo que o governo faça significa uma concordância de que o benefício continuou existindo após a sua extinção, o que incentivará nova corrida aos tribunais. E o mais importante: essa dívida com os exportadores não existe, esse subsídio acabou em 1983.

Apesar dos fortes argumentos da nota da Fazenda, o governo tem aceitado negociar uma saída.


Não há saída a não ser esperar o julgamento do Supremo.

O governo erra quando concede aumentos presentes e futuros para os funcionários públicos, numa máquina que já inchou demais e teve aumentos reais fortes nos últimos anos. O próximo — ou a próxima — presidente assumirá com aumentos concedidos pelo atual governo que vão elevará o custo do funcionalismo em R$ 16 bilhões já no primeiro ano.

Para ganhar a eleição o governo está passando por cima de tudo o que é sensato.

Quer que as estradas do PAC não tenham que pedir licença ambiental, que para elas não valha a condenação do TCU, e que os gastos com essas obras não sejam contados para efeito de metas fiscais.

Em MPs que estão tramitando, tem pendurado propostas do Ministério dos Transportes para flexibilização ou suspensão de obrigações ambientais; na LDO tenta suspender a prática de que obras condenadas pelo TCU não recebam recursos novos até o esclarecimento do problema; e apresenta proposta de que obras do PAC sejam como as do PPI e não entrem na conta do déficit público. O problema é que a metodologia de aprovação de um PPI (Projeto Piloto de Investimento) é cercada de cuidados; as do PAC, não. É um ataque triplo ao arcabouço institucional vigente no país, para acelerar obras que vão render dividendos eleitorais.

Ou outros.

O presidente Lula faz um aceno perigoso aos aposentados numa época de queda das receitas da Previdência e entra em contradição com seus próprios atos. Foi Lula que vetou a lei que aumentava o reajuste aos aposentados acima da inflação em 2006. É o governo Lula que teme a derrubada desse veto, argumentando que isso vai gerar um esqueleto de R$ 38 bilhões. Agora, o próprio presidente diz que os aposentados terão no ano que vem aumento acima da inflação.

Sua declaração pode estimular a derrubada do veto sobre o reajuste de 2006.

O governo erra e erra muito ao patrocinar em plena era do aquecimento global um ataque generalizado às leis, normas e limites ambientais.

Esses limites não foram impostos por ambientalistas, mas pela própria natureza.

Num momento como esse, promover o desmonte do pouco que se tem através de absurdos como a MP que incentiva a grilagem, ou a que aumenta a área permitida de desmatamento, é uma estupidez.

O mundo está caminhando na direção contrária: de aumentar o vigor das suas leis ambientais.

Erra o governo, e erra muito, ao pensar em outro modelo de exploração de petróleo sem a transparência que pode dar um processo de leilão. Vai criar uma estatal que já nasce como uma negociadora de petróleo num modelo opaco, de distribuição de áreas aos interessados.

Numa época em que o país está ferido com tanta denúncia de corrupção, o governo está propondo uma estatal que — corre o risco de entrar na farra da distribuição de cargos entre aliados, como tudo entrou — distribua áreas de exploração, receba e ainda venda petróleo. O modelo de partilha para explorar petróleo existe. Principalmente em países autoritários, como a Venezuela. O mundo, também nisso, caminha no sentido de mais — e não menos — transparência nos negócios públicos. Na histeria para ganhar uma eleição, cuja disputa não começou, o governo está entregando o futuro do país em uma série de decisões tomadas com olho num horizonte curto. Se não acordar a tempo de perceber que foi eleito para governar e não para fazer o sucessor, o presidente Lula entregará uma herança pesada que recairá sobre sua avaliação no futuro. O julgamento da história costuma ser diferente, e é bem mais rigoroso do que o que se faz no tempo presente.

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