quinta-feira, 23 de julho de 2009

Gravações complicam Sarney no Senado por falta de decoro

Adriana Vasconcelos e Jailton de Carvalho Brasília
DEU EM O GLOBO

PF descobre que filho de senador tinha informante até na Abin

Aumentaram os pedidos de abertura de processo contra o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), por quebra de decoro parlamentar, depois que foram divulgadas gravações que o ligam diretamente ao escândalo dos atos secretos. As conversas mostram Fernando Sarney, filho do senador, pedindo a interferência do pai junto ao então diretor-geral da Casa, Agaciel Maia, para garantir a nomeação do namorado da filha Maria Beatriz Sarney, a Bia, para um cargo na instituição. O rapaz acabou nomeado por ato secreto.

A PF requisitará as fitas para investigar o caso. Sarney culpou o PT pelas denúncias, e disse que não renuncia. Outras gravações mostram que Fernando Sarney tinha informantes até na Abin.

Na posse do procurador-geral da República, Lula pediu cuidado com a biografia dos investigados.

E agora, José?

Gravações ligam Sarney a atos secretos e podem levar a processos no Conselho e no STF

Apressão para que o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), se afaste do cargo voltou a crescer ontem com a divulgação, pelo jornal “O Estado de S. Paulo”, de gravações de conversas telefônicas nas quais seu filho Fernando Sarney pede sua interferência junto ao então diretor-geral da Casa, Agaciel Maia, para garantir a nomeação do namorado da filha Maria Beatriz Sarney para um cargo na instituição. As gravações ligam diretamente Sarney ao escândalo dos atos secretos, já que o namorado da neta foi nomeado por um deles, assinado pelo então diretor-geral Agaciel Maia, já afastado do cargo.

A nomeação de Henrique Dias Bernardes, namorado da neta de Sarney, assim como a exoneração do irmão dela, Bernardo, foram feitas por ato secreto. O de Henrique foi no dia 11 de abril de 2008, e o do Bernardo Brandão Cavalcanti Gomes, irmão da Bia por parte de mãe, no dia 23 de março de 2003.

— Sarney deveria renunciar ao mandato de presidente — voltou a defender o senador Cristovam Buarque (PDT-DF), que vai pressionar a cúpula do seu partido a se unir ao PSOL na representação contra o senador no Conselho de Ética.

Em outra frente, Cristovam e o senador Pedro Simon (PMDB-RS) se reunirão hoje para tentar garantir uma reunião extraordinária do Conselho de Ética no recesso para discutir a situação de Sarney.

Renato Casagrande (PSB-ES), exintegrante do Conselho de Ética, disse que as gravações são a peça que faltava para provar que Sarney teve participação na edição de atos secretos, base da representação que já existe no Conselho pedindo abertura de processo contra ele por quebra de decoro parlamentar.

— A conversa de Sarney com o filho, e depois a nomeação do namorado da neta por ato secreto oito dias depois, reforçam a representação por quebra de decoro. Ele dizia que não tinha nada a ver com isso, o que foi desmentido pelas gravações da PF. É a impressão digital de Sarney nesse processo. E como aconteceu no ano passado, o presidente do Conselho não pode arquivar a representação do PSOL com o argumento de que são fatos anteriores a seu mandato — disse Casagrande.

Para o líder do DEM, José Agripino (RN), a situação de Sarney ficou ainda mais delicada: — As gravações demonstram uma proximidade excessiva de Agaciel e Sarney, e relações de empregos com viés doméstico inconvenientes e reprováveis.

E isso, claro, piora a situação do presidente do Senado.

A disposição do PMDB é de continuar dando sustentação ao presidente do Senado. Mas, cientes de que o clima de confronto poderá piorar após o recesso, os aliados começaram a articular uma reação, reforçando as ameaças que vinham fazendo de maneira mais discreta até agora: se Sarney cair, levará consigo pelo menos meia dúzia de senadores.

O grupo já estaria, inclusive, reunindo dados para a apresentação de representações no Conselho de Ética contra os principais críticos de Sarney.

Entre os alvos está o líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM), que anunciou ontem sua intenção de protocolar a quarta denúncia contra Sarney no Conselho de Ética. Ele encaminhou ainda um pedido ao novo procuradorgeral da República, Roberto Gurgel, solicitando investigação sobre a responsabilidade penal de Fernando Sarney e Agaciel Maia na denúncia de tráfico de influência para nomeação de servidores no Senado.

O senador Tião Viana (PT-AC), que perdeu no início no ano a disputa pela presidência do Senado, também estaria na mira dos aliados de Sarney.

No DEM, o alvo mais provável deverá ser o senador Efraim Morais (PB), que ocupou a 1aSecretaria.

O delegado da Polícia Federal Gustavo Buquer, responsável pelo inquérito sobre atos secretos, decidiu ontem pedir à Justiça Federal do Maranhão cópias das gravações em que Sarney intercede em favor da nomeação do namorado da neta para um emprego na Casa. A partir daí, o presidente do Senado, que até então tentava se manter distante dos abusos cometidos pelo ex-diretor-geral Agaciel Maia, pode se tornar um dos principais alvos das investigações criminais sobre nomeações secretas.

Para a polícia, os diálogos contêm indicações de suposta ligação de Sarney com crimes investigados no inquérito aberto em maio para apurar nomeações, demissões, transferências e concessões de benefícios para senadores e funcionários em atos sigilosos.

Caso a expectativa dos investigadores se confirme, o inquérito será transferido da Justiça de primeira instância para o Supremo Tribunal Federal (STF), instituição que tem, entre suas atribuições, oficiar investigações relacionadas a pessoas com foro privilegiado, como é o caso do presidente do Senado.

Num primeiro passo, Buquer pedirá à Justiça Federal cópia dos diálogos gravados pela PF, na chamada Operação Boi Barrica, ano passado.

A partir daí, Buquer e o procurador Gustavo Velloso vão fazer nova análise dos trechos em que Sarney é mencionado. Mas a mudança de foco é dada como certa. Numa das conversas, Sarney afirma que vai conversar com Agaciel para acertar a nomeação do namorado da neta, que ocuparia a vaga de um meio-irmão de Beatriz.

— A divulgação dos diálogos foi um tiro na investigação. Provavelmente o inquérito sobre atos secretos vai subir para o Supremo. Não há como não se fazer o vínculo entre o presidente do Senado e os atos secretos que estão sendo investigados — disse ao GLOBO uma autoridade que está acompanhando o caso de perto.

Transferência para STF atrasa apuração

A PF apontará formalmente os vínculos entre Sarney e os atos secretos a contragosto. Para investigadores do caso, a transferência do inquérito para o STF atrasará a apuração. Pela lei, depois de remetido ao STF, os autos terão que ser apreciados pelo procuradorgeral da República, Roberto Gurgel.

Caberá a ele decidir se os indícios são realmente suficientes para abrir inquérito contra Sarney e, com isso, manter as investigações no STF. No STF, as investigações criminais são, naturalmente, mais lentas que na primeira instância do Judiciário.

Desde o início das investigações, a PF vinha fazendo levantamentos sobre os responsáveis e os beneficiários dos atos secretos. O trabalho tinha como ponto de partida as investigações de uma comissão de sindicância do próprio Senado. Há duas semanas, Sarney enviou ofício pedindo que a PF apurasse as responsabilidades pelos atos secretos. A PF respondeu que o inquérito já estava aberto.

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