quinta-feira, 9 de julho de 2009

Leis são apenas uma parte da reforma

Maria Inês Nassif
DEU NO VALOR ECONÔMICO

A uma crise política, sempre se contrapõe uma proposta de mudança legal. Essa tem sido a regra do debate político brasileiro. Bem ou mal, as mudanças se sucedem, embora um núcleo duro da legislação eleitoral e partidária se coloque a salvo desses humores e de pressões de setores da opinião pública por mudanças. Mais de duas décadas após a promulgação da Constituinte, todavia, é preciso que se reconheça que mudar a lei não constitui, em si, uma profilaxia do ambiente político. A corrupção existe, os partidos são fracos e persiste na arena política uma forte representação impulsionada mais por interesses pessoais do que ideológicos (leia-se ideológico no sentido de representação política de setores sociais, sem emprestar sentido pejorativo ao termo: na democracia, o ideal é que existam representantes com correspondência em todos os setores sociais e em todas as posições políticas). É difícil imaginar que simples mudanças legais possam, num passe de mágicas, acabar com a corrupção, fortalecer os partidos e levar para o centro das instituições políticas representantes livres dos vícios dos interesses pessoais.

Institucionalmente, a simples aplicação das leis pode ter uma eficiência maior contra a corrupção do que imaginar regras mais restritivas - e que vão da mesma forma ser desobedecidas se a sociedade não se movimentar na direção de fazer, ela própria, uma mudança estrutural na política brasileira. Assim, o verdadeira "rapa" que acontece no meio político nos últimos anos não se deve a novas e diferentes leis, e sim a uma maior eficiência do Ministério Público, da Polícia Federal e da Justiça na aplicação das que já existem.

Na política partidária e eleitoral, escândalos que envolvem políticos sempre resultam em campanhas por mudanças na legislação, e elas têm eficiência duvidosa. Os defensores de grandes reformas legais apenas têm algum êxito se conseguem provocar uma forte comoção na opinião pública - o ambiente emocional pode obrigar um parlamentar eleito sob determinadas regras eleitorais a optar pelo desconhecido. A única hipótese de um deputado ou senador votar contra si mesmo é o risco de não ser eleito caso não faça isso.

A cada crise se retoma o debate sobre os vícios do voto proporcional e as virtudes do voto distrital - isso é invariável desde o final da ditadura militar -, mas nenhuma foi grande o suficiente para convencer a maioria dos congressistas a optar pela mudança do sistema eleitoral. Mais recentemente, a cada crise emerge também a tese de que a prevalência do voto em listas partidárias, em vez do voto ao parlamentar, teriam o poder de fortalecer um frágil sistema partidário brasileiro. Pelas dúvidas que suscita, os escândalos, e as pressões deles decorrentes, não conseguiram colocar na agenda do Congresso a instituição do financiamento público de campanha.

Reformar a legislação eleitoral e partidária na onda de uma comoção, no entanto, é sempre uma hipótese pouco provável. Este não é um tema com apelo popular - é difícil consolidar um senso comum de que a corrupção e o sistema político são a face de um mesmo problema. Até por isso, a excessiva concentração do debate nas mudanças legais acaba cumprindo um papel diversionista que, na prática, exime os partidos e os políticos de suas próprias responsabilidades na mudança estrutural da política.

A legislação eleitoral e partidária tem a virtude de conferir aos partidos enorme flexibilidade para definir seus funcionamentos internos. O PT, sob essas leis, manteve uma dinâmica de debate interno, ao mesmo tempo que definiu instrumentos para fazer prevalecer as decisões colegiadas sobre as posições individuais de seus políticos e militantes - numa votação no Congresso, por exemplo, as dissidências na bancada petista são praticamente nulas até hoje. É uma fidelidade partidária mantida independentemente dos rigores da lei. Os procedimentos internos para formação de consensos e submissão da minoria à maioria foram um aprendizado que as diversas tendências do partido trouxeram dos antigos partidos de esquerda.

O perfil ideológico do PT, até 2002, foi o produto desse dinâmica interna, que dava ao partido também um mínimo de controle sobre a qualidade de sua representação. Se o partido não manteve essas características depois que chegou ao poder, certamente não foi por culpa da legislação, mas de uma excessiva submissão da vontade do partido às exigências de formação de maiorias políticas. Da mesma forma, o PSDB, que foi fundado com a intenção de ser um correspondente orgânico do PMDB, foi perdendo, ao longo de dois governos, a identidade até então mantida em torno de lideranças que definiam, no seu conjunto, uma linha de coesão interna - uma posição coletiva que não era simplesmente a soma de interesses de seus integrantes.

Nos anos que se seguiram ao fim da ditadura militar, e gradativamente, nota-se que setores sociais estabeleceram uma identificação com partidos - pelo menos com os maiores - e emprestam organicidade a eles, mesmo quando prevalece um certo "relaxamento ideológico" dessas agremiações. Existe um liame entre as legendas e seus eleitores, mas isso tem sido construído mais no calor das disputas eleitorais do que internamente, como síntese de um debate. De qualquer forma, a "liga" que se dá via eleições é um produto do exercício da democracia, não de mudanças pontuais na lei. A reforma na política seria maior se, além disso, os partidos definissem filtros na sua representação próprios de agremiações que desenvolveram dinâmicas de incorporação de militância ao debate, uma forma de evitar a captura da máquina partidária por grupos.

Tem também a qualidade do voto. Esse componente está ligado não apenas ao amadurecimento da democracia, mas ao modelo de desenvolvimento do país. Para melhorar a qualidade do sistema político, seria mais efetivo distribuir renda e manter uma educação pública de qualidade.

Estes são os elementos básicos para a formação de cidadania.

Maria Inês Nassif é editora de Opinião. Escreve às quintas-feiras

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