domingo, 26 de julho de 2009

Mais conscientes, menos mobilizados

Antônio Gois / Sucursal do Rio
Entrevista: Alberto Almeida
DEU NA FOLHA DE S. PAULO / +MAIS!

O cientista político Alberto Almeida afirma que a opinião pública tem importância crescente no país, embora tenham diminuído as manifestações de rua; o que falta, ele diz, "é uma atuação mais forte da Justiça" contra políticos corruptos

A inda que alguns deputados afirmem se lixar para o opinião pública, na prática, os políticos demonstram cada vez mais ter receio dos escândalos e da vigilância da sociedade sobre eles. Essa visão otimista é do cientista político Alberto Carlos Almeida, autor dos livros "A Cabeça do Eleitor" e "A Cabeça do Brasileiro" (ambos publicados pela editora Record).

Para ele, ainda há muito a avançar na construção de mecanismos mais eficientes de punição à corrupção, mas o eleitorado tem demonstrado, num processo gradual, que políticos cujos nomes foram associados a escândalos têm mais dificuldade na eleição para cargos majoritários.

O que diminuiu, afirma, foram mobilizações políticas de rua, como no caso das Diretas-Já, segundo ele dependentes da iniciativa de políticos dispostos a liderar o processo.

Almeida, autor também de "Por que Lula?", diz que o presidente não corre risco de ver sua popularidade afetada ao defender publicamente José Sarney e Fernando Collor. De 2002 para 2006, lembra ele, houve uma mudança no perfil do eleitor de Lula, que consolidou sua popularidade entre os mais pobres, ficando menos dependente da classe média mais escolarizada.

FOLHA - Um editorial da Folha nesta semana tratou da impressão, cada vez mais comum, de que a opinião pública se importa cada vez menos com os temas políticos, e esses se importam menos com a opinião pública. O senhor concorda?

ALBERTO ALMEIDA - Será que não se trata de uma ilusão de ótica? Minha impressão é que, hoje, os escândalos têm mais importância do que tinham no passado justamente porque cresceu a massa crítica adversa a isso. Pode ser que tenham acontecido coisas muito semelhantes ou maiores no passado e que ficaram despercebidas. Hoje, elas são mais visíveis.

O atual debate sobre financiamento público de campanha, por exemplo, expressa várias coisas. Uma delas é um certo receio, dos políticos, dos escândalos. Por que isso é debatido agora e não era no passado? Porque antes não se tinha tanto receio.

No governo Sarney [1985-90], a impressão que se tinha na época, pela leitura dos jornais, era de que a corrupção era algo completamente disseminado por todo o sistema. O Legislativo, o Judiciário, o Executivo, todos estavam envolvidos e se beneficiavam. Hoje, com Sarney no Senado, não acho que exista essa mesma impressão.

FOLHA - Mas há uma sensação de falta de punição.

ALMEIDA - Políticos que tiveram seus nomes associados a grandes escândalos têm muita dificuldade de se eleger para cargos majoritários. É o caso de [Paulo] Maluf e [Orestes] Quércia em São Paulo. É um processo lento, mas é um sinal de mudança.

O maior controle da corrupção não significa que ela irá acabar. O mau uso do recurso público é como violência. Nunca acaba. O que se pode fazer é controlar mais ou menos. Não existe taxa zero de acidente de automóvel, de assassinato ou de corrupção, mas é possível. O que pode acontecer é reduzir.

Faz algum tempo, eu li um trabalho bastante interessante sobre parlamentares de vários países. Ele mostrava que, em todos os casos analisados, eles aumentavam seus salários até chegar um ponto em que paravam. Isso acontecia no momento em que se detectava algum controle externo.

A partir daí, os atos em benefício próprio se tornavam menos visíveis, e os deputados passavam a privilegiar benefícios periféricos e mais camuflados, como passagens aéreas e verbas de gabinete.

Se não houver controle de fora, as pessoas vão agir mais em benefício próprio. É por isso que a imprensa tem poder fundamental.

O que me parece ainda faltar muito no Brasil é uma atuação mais forte da Justiça. Não há casos de políticos que tenham sido presos definitivamente por corrupção. É o eleitorado que pune esse político, não a Justiça.

FOLHA - Não foi justamente um deputado [Sérgio Moraes, do PTB-RS] que disse se lixar para a opinião pública?

ALMEIDA - Foi muito mais um caso de escracho. Não sabemos ainda as consequências que terá esse parlamentar. Será que, no íntimo de cada político, eles realmente se importam menos do que no passado com a opinião pública?

Acho que não.

Por que tantos deputados do Nordeste, por exemplo, fazem questão de aparecer no maior número de festas juninas nesta época? Porque a população valoriza isso. O mundo político é competitivo. Se o deputado não for à festa junina, algum concorrente irá. Então há, sim, uma competição pela opinião pública, e o político tem que atender ao que ela quer.

Talvez esse deputado quisesse, na verdade, dizer que se lixa para a opinião publicada nos jornais. E a opinião pública não é necessariamente a opinião dos jornais.

FOLHA - De que maneira?

ALMEIDA - Eu conduzo mensalmente uma pesquisa nacional e posso dizer que mais da metade da população não sabe que Sarney é o presidente do Senado, mas todos os jornalistas sabem.

Especialmente num país desigual, como o Brasil, essa distância dos jornais para o restante da população é mais visível. No Reino Unido, os diários colocaram tarjas pretas em suas primeiras páginas em protesto contra os parlamentares britânicos. Aqui, se todos fizessem isso, talvez não agradassem a seus leitores, que provavelmente não gostariam de ver aquela tarja no lugar de notícias que lhes parecem mais importantes.

FOLHA - Seus estudos mostram que, entre os mais escolarizados, há maior preocupação com a corrupção. O acesso à educação melhorou no país, mas a aversão à corrupção não parece ter aumentado. Não se vê mais mobilizações como nos movimentos pelas Diretas ou no Fora Collor. Como explicar?

ALMEIDA - Esta questão foi objeto de grande controvérsia nos Estados Unidos. Quanto maior a escolarização, maior a participação política. Mas a escolaridade também cresceu lá, e não se viu aumento de mobilização.O que se discutiu, a partir da literatura mais recente, é que, para acontecerem grandes mobilizações, é necessária também a participação atuante de uma elite política.

No caso das Diretas-Já, por exemplo, essa mobilização de cima para baixo foi fundamental. O governador de São Paulo na época, Franco Montoro, estava à frente da mobilização.

No Rio, o governador Leonel Brizola liberou as catracas do metrô e deu ponto facultativo aos servidores.

No caso de Collor, foi um fenômeno mais raro, pois a mobilização foi mais espontânea, mas não tão grande quanto nas Diretas.

Porém, é preciso lembrar que Collor atravessava um momento econômico difícil. Isso ajuda a explicar por que ele caiu com os escândalos da época, enquanto Lula sobreviveu bem ao mensalão.

Collor não tinha o apoio da elite nem da classe média ou pobre. Já Lula perdeu apoio das camadas mais altas, mas a população mais pobre estava satisfeita com o desempenho da economia. Isso fez toda a diferença nos dois casos.

A preocupação de uma pessoa muito pobre está muito associada à sobrevivência, ao emprego, à saúde, à própria vida.

Para nós, da elite, jornalistas, isso já está resolvido e outras questões aparecem como mais importantes. São dois mundos diferentes.

FOLHA - Mas o fato de Lula defender publicamente políticos como Sarney e Collor não pode abalar sua popularidade?

ALMEIDA - É preciso ter em mente que houve uma grande mudança no perfil do eleitor de Lula. Ele se elegeu em 2002 com o voto da classe média e dos mais pobres.

Em 2006, após o mensalão, perdeu muito apoio dessa classe média mais exigente com a ética, mas consolidou seu apoio na classe mais baixa, por causa de suas políticas sociais. É por isso que Lula pode muito bem sair em defesa de Sarney sem que isso cause prejuízos a sua popularidade.

O mesmo não pode ser dito do PT, que ainda depende desse voto ético. O gesto de Lula pode, sim, desgastar os candidatos do partido nas próximas eleições.

Esse desgaste já se verificou, por exemplo, quando o PT perdeu a maioria das eleições municipais nas cidades maiores.

Mas Lula está pensando em dois jogos. No eleitoral, essas atitudes podem ter efeito. Mas, no político, em que ele precisa do apoio do PMDB, isso é fundamental em suas articulações.

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