quarta-feira, 8 de julho de 2009

Nem só os quartéis desafiam a democracia na região

Mary Beth Sheridan / The Washington Post
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O governo Barack Obama evidenciou seu apoio à democracia na América Latina. Washington condenou o golpe em Honduras e uniu-se aos países do continente, no domingo, para suspender Tegucigalpa da Organização dos Estados Americanos (OEA), em uma rara decisão.

Mas soldados de baioneta em punho não são a maior ameaça à democracia na região, onde mais de dez presidentes foram tirados prematuramente de seus cargos desde 1990. Nos últimos anos, uma série de líderes eleitos, de tendência autoritária, encheu os tribunais de partidários, promoveu eleições duvidosas e atacou a imprensa.

As legislaturas também forçaram os limites da ordem, dando cobertura a "golpes civis" em que grupos se uniram em protestos, obrigando presidentes a renunciar. "A ameaça contra a democracia na América Latina - e de modo nenhum quero atenuar o que ocorreu em Honduras - não é a dos golpes militares, mas de governos que ignoram o sistema de freios e contrapesos, passando por cima de outras instituições", disse Jeffrey Davidow, embaixador americano que foi assessor de Obama na Cúpula das Américas.

Tem sido difícil para o governo americano e para organismos regionais responder a crises constitucionais muito próximas de um golpe. Embora a OEA tenha feito um esforço para recolocar Manuel Zelaya na presidência de Honduras, reagiu muito brandamente a outras mudanças irregulares do poder e aos abusos de presidentes e Congressos.

Os acontecimentos em Honduras refletiram uma mudança do modelo antigo de golpes militares na América Latina. As Forças Armadas hondurenhas reconheceram rapidamente um novo presidente civil, juramentado pelo Congresso, enquanto os deputados hondurenhos votaram de maneira esmagadora pela destituição de Manuel Zelaya depois que ele foi posto em um avião rumo à Costa Rica.

Jennifer McCoy, diretora do Programa Américas do Centro Carter, afirmou que, nos últimos anos, raramente a comunidade internacional insistiu na reinstalação de um presidente deposto na América Latina.

Mas, desta vez, a visão de soldados atacando um presidente de pijama foi demais. Obama uniu-se ao coro para condenar o golpe, apesar de sua frustração com Zelaya, aliado do venezuelano Hugo Chávez.

"Agora, estamos em um contexto diferente de arcabouços democráticos na América Latina. O que não significa que não haverá crises. É a natureza das crises que é diferente. E não descobrimos como solucioná-las", afirmou McCoy.

"Estávamos do lado errado. Pagamos por isso de inúmeras maneiras, em termos bilaterais na região, e também na OEA", comentou Peter Romero, ex-assistente para a América Latina do Departamento de Estado.

A declaração de Obama de que o golpe hondurenho era "ilegal" e constituía um "terrível precedente" foi aplaudida em uma parte do mundo em que o governo americano está perdendo influência.

Obama andou cortejando a América Latina e o Caribe, prometendo uma "parceira entre iguais" com a região em uma cúpula realizada em abril. Em um estímulo para a política dos EUA, a OEA tratou a crise recorrendo à Carta Democrática Interamericana, adotada em 2001.

No mês passado, diplomatas americanos travaram uma batalha extremamente difícil em uma assembleia da OEA para que o documento final evitasse a readmissão de Cuba após 47 anos.

Com a crise hondurenha, a OEA invocou, pela primeira vez, uma parte da carta que pode suspender um país em razão da interrupção da ordem democrática.

Alguns críticos questionam por que razão a OEA não agiu com mais rigor quando Zelaya resolveu levar adiante uma consulta popular ilegal, chegando a demitir o comandante do Exército por recusar-se a ordenar aos soldados que distribuíssem as cédulas de votação.

"Aparentemente, não há vontade política de opor resistência ao caudilhismo que está ressurgindo no continente", disse Roger Noriega, estrategista sênior para a América Latina no governo George W. Bush.

A forte reação da região ao golpe hondurenho contrasta com a resposta limitada à situação na Venezuela. Na última década, Chávez assumiu o controle dos tribunais, das Forças Armadas e de todos os organismos de fiscalização, restringiu a imprensa contrária ao governo e ordenou investigações de políticos da oposição.

O Equador experimentou uma série de impasses constitucionais, com três presidentes destituídos, de 1996 a 2006. A Nicarágua ficou atolada em uma crise por meses após as eleições locais de 2008, criticadas pela oposição e por observadores internacionais.

"Isso é o que hoje estamos enfrentando na América Latina na medida em que suas democracias amadurecem, com conflitos entre as instituições governamentais", disse McCoy. "Precisamos solucionar essas situações antes que elas se transformem em crises totais. Mas ainda não aprendemos como fazer isso."

* Mary Beth Sheridan é jornalista especializada em política latino-americana

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