quarta-feira, 29 de julho de 2009

O olho do juiz

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Em meio aos fatos exuberantes sobre a crise do Senado e seus desdobramentos, agora já entrando em mares nunca dantes navegados - como um governo chamar publicamente o líder do seu partido de mentiroso por meio de comunicação oficial do ministro das Relações, note-se, Institucionais - a notícia mereceu espaço acanhado.

O presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, cobra da Câmara uma investigação mais acurada sobre o esquema de desvio de passagens aéreas da cota oficial para a comercialização em agências de turismo.

O ministro não é muito explícito, mas fala claro o suficiente para ser entendido. Gilmar Mendes e outro ministro do STF, Eros Grau, usaram inadvertidamente passagens da Câmara. Só descobriram quando seus nomes apareceram no escândalo chamado farra das passagens.

Conseguiram provar que os bilhetes não tinham sido repassados "de favor" por nenhum parlamentar. Mendes comprou o dele e da mulher Guiomar e Eros Grau teve o dele pago por uma universidade onde participou de um seminário.

A partir daí, ficou claro o desvio. A Câmara fez uma sindicância, o presidente da Casa anunciou abertura de 44 processos contra funcionários e divulgou a suspeita do envolvimento de cinco deputados. Dos 513 gabinetes de deputados, 39 foram investigados.

No relatório da Câmara enviado ao presidente do Tribunal a informação é que apenas funcionários, e não deputados, estão envolvidos.

Pelo que se depreende da declaração do ministro Gilmar Mendes, os dados são genéricos e insatisfatórios. "O relatório informa que o desvio de passagens teria partido de servidores e que era uma prática mais ou menos consolidada e contínua. Há necessidade de esclarecimentos".

De fato. Nem é preciso ter o olho clínico de juiz para a ilicitude para perceber o imprescindível.

Se a prática é "consolidada e contínua" - quer dizer, sólida e ininterrupta - trata-se de um mal sistêmico, estrutural. Parece, em princípio, pouco que num universo de mais ou menos 15 mil funcionários e 513 deputados, apenas 44 servidores tenham envolvimento e cinco parlamentares sejam suspeitos de participar do esquema.

O presidente da Câmara não abriu o relatório para o público e, pelo que insinua o ministro Gilmar Mendes, a farra pode ter sido muito maior e mais grave que a até agora divulgada.

A julgar pelo testemunho prestado por servidores na mesma sindicância sobre a existência de funcionários fantasmas e embolso, pelo parlamentar, de parte dos salários dos contratados nos gabinetes - notícia publicada também em espaço exíguo nesses dias de predominância absoluta do Senado - a Câmara anda a merecer atenção.

E, como sugere Gilmar Mendes, acurada investigação.

Nome do jogo

O presidente do PT, Ricardo Berzoini, acha que seus correligionários do Senado são néscios, não percebem que fazem "o jogo da oposição" ao pedir o afastamento do presidente do Senado, José Sarney.

Nessa matéria, os acontecimentos comprovam, o mais eficiente jogador da oposição foi sem dúvida alguma o presidente Lula. Jogou com eficácia ímpar ao defender Sarney usando frases e expressões com as quais nem em seus melhores sonhos o PSDB imaginou poder contar em 2010.

Morubixaba

De certa forma o senador Sarney tem razão de se surpreender com tantas críticas ao fato de ele interceder em favor da contratação do namorado na neta no Senado.

Afinal, em matéria de interferência sua biografia tem episódios mais eloquentes. Em abril, o Estado publicou um deles. Revelou a carta que José Sarney mandou para o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Francisco Rezek, que atuou como advogado do ex-governador Jackson Lago, cassado por abuso de poder econômico pela Justiça e substituído por Roseana Sarney.

A despeito da vitória, Sarney não se conformou com a independência de Rezek, contratado pelo adversário. Considerou os termos da defesa "um insulto", cobrando o fato de Rezek ter sido indicado ao Supremo em 1983, por influência dele junto ao governo militar, cujo partido de apoio (PDS) era presidido por Sarney.

Protocolo

Misturar política com questões de saúde é, como se sabe, de uma inadequação a toda prova. Tanto da parte de quem o faz para angariar simpatia, quanto dos que usam o momento de fragilidade para tirar algum proveito em relação ao adversário.

O presidente do Senado, José Sarney, tem perfeita noção disso. No entanto, no primeiro discurso de defesa na tribuna da Casa deu um jeito de se referir às dificuldades por que passava a filha Roseana na ocasião, operada de um aneurisma, e agora cita a operação da mulher, Marly, para suscitar piedade nos críticos dentro do Senado.

Não fica nada bem. Para dizer o mínimo.

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