Merval Pereira
DEU EM O GLOBO
O violento discurso do senador Jarbas Vasconcellos, acusando o presidente Lula de atuar "sem nenhum pudor" para manter seu projeto de poder, é a continuidade de um processo político que vem se deteriorando há trinta anos, quando o MDB já era dividido em grupos, mas a disputa maior se travava entre "autênticos" e "moderados", e não como agora, entre políticos "sérios" e os "fisiológicos". Às vésperas da reforma partidária de 1979, que desaguaria na criação do PP, Tancredo Neves definiu os caminhos ao dizer que "meu MDB não é o MDB do senhor Arraes e o MDB do senhor Arraes não é o meu, e nós dois sabemos disso há muito tempo".
A morte de Petrônio Portella, que era uma alternativa real de transição civil à ditadura militar, e as novas normas eleitorais, que obrigavam o voto vinculado e proibiam as coligações, para proteger o PDS, inviabilizaram o projeto do PP e a maioria retornou para o PMDB.
Em 1988, uma parte saiu para fundar o PSDB, contra a política fisiológica que já predominava no PMDB. Já há muito tempo, no entanto, que o PMDB criou a fama de ser imprescindível para que qualquer governo tenha o que se convencionou chamar de "governabilidade", e é esse o pretexto mais uma vez para o presidente Lula forçar o PT a apoiar a permanência do senador José Sarney na Presidência do Senado.
Mas será mesmo necessário ter o apoio do PMDB, custe o que custar, para manter a tal da governabilidade? A cientista política Maria Celina D"Araújo, da Fundação Getulio Vargas do Rio, diz que isso "não faz o menor sentido".
O advogado Marcelo Cerqueira, ex-deputado federal e conhecedor profundo da política brasileira, diz que Itamar Franco governou sem o "núcleo duro" do PMDB, privilegiando políticos como Pedro Simon, que foi seu líder no Congresso, e teve sucesso.
Os dois concordam em um ponto: o que Lula quer não é governar bem, mas manter seu projeto de poder com vista à sucessão de 2010. Mas nem mesmo isso estará garantido com o apoio oficial do PMDB.
Cerqueira lembra o caso do próprio Lula, que venceu a eleição de 2002 embora o PMDB apoiasse oficialmente o tucano José Serra. E Maria Celina lembra que o PMDB não é um partido confiável para projetos de longo prazo.
Ela diz que "em nome da governabilidade, os tucanos pediram cláusula de barreira, em nome dela se pediu voto distrital. A "G word" como dizem os norte-americanos, tem se prestado entre nós a pretexto de pedidos de reforma mais ou menos legítimos, ou estapafúrdios, e tem significado também diminuir os custos de governar, como queriam os tucanos".
Em nome da "governabilidade", ressalta, o golpe de 1964 foi dado: "O país vivia então uma crise de paralisia decisória. E deu no que deu". Para Cerqueira, é a "síndrome do Collor" que leva o governo a uma lógica de construção de maioria a qualquer preço.
Ele diz que é um equívoco achar que o impeachment do Collor se deu por que ele não tinha a maioria. "Quando fez a loucura do confisco da poupança, teve a maioria total da Nação", lembra.
Ele considera que a formação dessa maioria "se dá em grande parte porque o Orçamento é meramente autorizativo e não impositivo, e então o governo tem um enorme poder de barganha".
Se não tiver essa maioria, governa? O Itamar governou, responde Marcelo Cerqueira, que lembra que, no começo ele tentou fazer um governo de centro-esquerda, "mas o PT não topou".
Então, lembra Cerqueira, ele pegou "partes do PMDB e de outros partidos, inclusive de esquerda, e tocou o governo dele sem se preocupar com a tal da governabilidade". Pedro Simon, que já naquela época não era do "mainstream" do PMDB, foi seu líder no Congresso.
Maria Celina diz que "esse argumento da governabilidade é precário, capenga. Poder governar não significa governar bem".
Para Marcelo Cerqueira, a governabilidade não se dá em função de você ter uma maioria, mas quando há uma proposta de governo. "Caso contrário, dá no mensalão, dá nessa entrega ao lado podre do PMDB".
A governabilidade, como a define, "depende de um programa de governo e do exemplo do governante".
Para Maria Celina, de fato o PT está defendendo "um projeto de poder e não a governabilidade e muito menos o bom governo". Nas democracias, diz Maria Celina, "não queremos só isso, queremos um governo que governe, mas faça um bom governo".
Ela lembra que não é à toa que o conceito de "governança" veio para ficar, e não acredita que haja uma paralisia de decisões se o senador Sarney sair da presidência, e nem que, como o governo alega, que se o governo não apoiar Sarney perde sua base no Congresso.
"Isso não faz o menor sentido", diz ele, "ainda mais porque há muito tempo o Senado não ajuda o governo a governar, não vota nada, apenas choca e desova crises".
Maria Celina diz que a governabilidade, na verdade, está sendo usada agora como pretexto para uma aliança de médio prazo com o PMDB, "como se aquilo fosse um partido confiável".
O que se quer, ressalta, é garantir o apoio do PMDB a Dilma. A cientista política da FGV diz que "precisamos refletir bem sobre a diferença entre governabilidade e projeto de poder; entre o que é zelar pelas instituições e fazer jogo das oligarquias e das parentelas".
Neste momento, diz ela, o mais importante é o país "ficar ao lado da lei, da transparência, da moral e dos bons costumes. O presidente Lula podia nos ajudar".
Marcelo Cerqueira acha que essa lógica só será rompida "quando o Orçamento não for meramente autorizativo; quando o Congresso exercer a sua verdadeira função, que não é propriamente de legislar, mas sim de fiscalizar".
DEU EM O GLOBO
O violento discurso do senador Jarbas Vasconcellos, acusando o presidente Lula de atuar "sem nenhum pudor" para manter seu projeto de poder, é a continuidade de um processo político que vem se deteriorando há trinta anos, quando o MDB já era dividido em grupos, mas a disputa maior se travava entre "autênticos" e "moderados", e não como agora, entre políticos "sérios" e os "fisiológicos". Às vésperas da reforma partidária de 1979, que desaguaria na criação do PP, Tancredo Neves definiu os caminhos ao dizer que "meu MDB não é o MDB do senhor Arraes e o MDB do senhor Arraes não é o meu, e nós dois sabemos disso há muito tempo".
A morte de Petrônio Portella, que era uma alternativa real de transição civil à ditadura militar, e as novas normas eleitorais, que obrigavam o voto vinculado e proibiam as coligações, para proteger o PDS, inviabilizaram o projeto do PP e a maioria retornou para o PMDB.
Em 1988, uma parte saiu para fundar o PSDB, contra a política fisiológica que já predominava no PMDB. Já há muito tempo, no entanto, que o PMDB criou a fama de ser imprescindível para que qualquer governo tenha o que se convencionou chamar de "governabilidade", e é esse o pretexto mais uma vez para o presidente Lula forçar o PT a apoiar a permanência do senador José Sarney na Presidência do Senado.
Mas será mesmo necessário ter o apoio do PMDB, custe o que custar, para manter a tal da governabilidade? A cientista política Maria Celina D"Araújo, da Fundação Getulio Vargas do Rio, diz que isso "não faz o menor sentido".
O advogado Marcelo Cerqueira, ex-deputado federal e conhecedor profundo da política brasileira, diz que Itamar Franco governou sem o "núcleo duro" do PMDB, privilegiando políticos como Pedro Simon, que foi seu líder no Congresso, e teve sucesso.
Os dois concordam em um ponto: o que Lula quer não é governar bem, mas manter seu projeto de poder com vista à sucessão de 2010. Mas nem mesmo isso estará garantido com o apoio oficial do PMDB.
Cerqueira lembra o caso do próprio Lula, que venceu a eleição de 2002 embora o PMDB apoiasse oficialmente o tucano José Serra. E Maria Celina lembra que o PMDB não é um partido confiável para projetos de longo prazo.
Ela diz que "em nome da governabilidade, os tucanos pediram cláusula de barreira, em nome dela se pediu voto distrital. A "G word" como dizem os norte-americanos, tem se prestado entre nós a pretexto de pedidos de reforma mais ou menos legítimos, ou estapafúrdios, e tem significado também diminuir os custos de governar, como queriam os tucanos".
Em nome da "governabilidade", ressalta, o golpe de 1964 foi dado: "O país vivia então uma crise de paralisia decisória. E deu no que deu". Para Cerqueira, é a "síndrome do Collor" que leva o governo a uma lógica de construção de maioria a qualquer preço.
Ele diz que é um equívoco achar que o impeachment do Collor se deu por que ele não tinha a maioria. "Quando fez a loucura do confisco da poupança, teve a maioria total da Nação", lembra.
Ele considera que a formação dessa maioria "se dá em grande parte porque o Orçamento é meramente autorizativo e não impositivo, e então o governo tem um enorme poder de barganha".
Se não tiver essa maioria, governa? O Itamar governou, responde Marcelo Cerqueira, que lembra que, no começo ele tentou fazer um governo de centro-esquerda, "mas o PT não topou".
Então, lembra Cerqueira, ele pegou "partes do PMDB e de outros partidos, inclusive de esquerda, e tocou o governo dele sem se preocupar com a tal da governabilidade". Pedro Simon, que já naquela época não era do "mainstream" do PMDB, foi seu líder no Congresso.
Maria Celina diz que "esse argumento da governabilidade é precário, capenga. Poder governar não significa governar bem".
Para Marcelo Cerqueira, a governabilidade não se dá em função de você ter uma maioria, mas quando há uma proposta de governo. "Caso contrário, dá no mensalão, dá nessa entrega ao lado podre do PMDB".
A governabilidade, como a define, "depende de um programa de governo e do exemplo do governante".
Para Maria Celina, de fato o PT está defendendo "um projeto de poder e não a governabilidade e muito menos o bom governo". Nas democracias, diz Maria Celina, "não queremos só isso, queremos um governo que governe, mas faça um bom governo".
Ela lembra que não é à toa que o conceito de "governança" veio para ficar, e não acredita que haja uma paralisia de decisões se o senador Sarney sair da presidência, e nem que, como o governo alega, que se o governo não apoiar Sarney perde sua base no Congresso.
"Isso não faz o menor sentido", diz ele, "ainda mais porque há muito tempo o Senado não ajuda o governo a governar, não vota nada, apenas choca e desova crises".
Maria Celina diz que a governabilidade, na verdade, está sendo usada agora como pretexto para uma aliança de médio prazo com o PMDB, "como se aquilo fosse um partido confiável".
O que se quer, ressalta, é garantir o apoio do PMDB a Dilma. A cientista política da FGV diz que "precisamos refletir bem sobre a diferença entre governabilidade e projeto de poder; entre o que é zelar pelas instituições e fazer jogo das oligarquias e das parentelas".
Neste momento, diz ela, o mais importante é o país "ficar ao lado da lei, da transparência, da moral e dos bons costumes. O presidente Lula podia nos ajudar".
Marcelo Cerqueira acha que essa lógica só será rompida "quando o Orçamento não for meramente autorizativo; quando o Congresso exercer a sua verdadeira função, que não é propriamente de legislar, mas sim de fiscalizar".
Sem querer diminuir o artigo e muito menos as colocações do Marcelo Cerqueira e da Maria Celina, acho que essa conclusão é meio óbvia. O PT banalizou o conceito de governabilidade. A capacidade de governar e governar bem ou ainda de cumprir o programa de governo não tem sido abalada. Se sair o Sarney em dois meses a coalizão PT/PMDB faz o sucessor e coloca a agenda legislativa do governo em marcha, seja ele qual for. Como não há agenda clara e muito menos séria, prevalece a barganha entre os interesses fisiológicos do PMDB sejam eles localizados no Maranhão, no Congresso ou nas Estatais somados a capacidade da bancada de provocar embaraços ao governo e do outro lado do balcão o projeto de hegêmonia do Lulismo (no meu ponto de vista o PT já era. Desde o Mensalão e nos escândalos subsequentes o presidente Lula tem pago um preço (no sentido literal principalmente) elevado para não se contaminar, sacrificando alguns soldados dedicados, detonando a credibilidade do Congresso e elevando o gasto públicco a níveis perigosos. O problema é saber até onde essa corda pode esticar. As consequencias do rompimento da corda serão objeto de boas elocubrações.
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