domingo, 26 de julho de 2009

Vasto mundo

Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO


O velho império deu o alerta. Para quem achava que a crise econômica global já estava acabada, o péssimo resultado do PIB inglês no segundo trimestre mostrou que ainda há um longo caminho pela frente. O comércio mundial está encolhendo este ano 16%. A maioria dos países fechará o ano com um PIB menor. O mundo é vasto e os países estão todos ligados nessa era global.

Há sinais de melhora, mas ainda há um longo caminho pela frente. Empresas americanas anunciaram, nos últimos dias, lucros, ou prejuízos menores. O mais brilhante dos resultados, o da Apple, prova apenas que, mesmo numa crise, uma empresa que está num setor dinâmico, com um produto novo e com um bom marketing, tem bons resultados.

Quem puxou o resultado foi o novo iPhone e não a recuperação da economia.

O que de fato melhorou? O fim do pânico financeiro que havia dominado o mundo no final do ano passado foi o primeiro passo. O segundo foi a redução do risco de uma nova depressão.

O economista que ganhou fama de vidente por ter previsto a crise, Nouriel Roubini, até disse que a recessão começará a acabar no fim de 2009 e isso provocou comemorações. Apressadas.

A segunda frase que ele sempre agrega a esta primeira afirmação é que o ano de 2010 será anêmico, o mundo vai ter um desempenho muito abaixo do potencial.

Na terceira frase, ele volta a ser o Roubini assustador de sempre: alerta que há um risco de uma nova queda recessiva em 2011. Ele e vários outros economistas estão alertando que os excessos de liberação fiscal por meios ortodoxos, ou não, podem provocar bolhas e pressões inflacionárias. A OCDE em seu último relatório tem um gráfico impressionante do crescimento do déficit público e da dívida dos 30 países que compõem a organização.

São enormes e crescentes. É impossível que não cobrem a conta, de uma forma ou outra.

A economia americana continua produzindo desempregados: meio milhão no mês passado. O mercado de trabalho está fraco, com queda de renda e horas trabalhadas.

Roubini diz que há uma relação direta entre emprego e mercado imobiliário.

Os preços dos imóveis que já caíram 45% desde o pico, terão, segundo o economista, mais 13% a 18% de queda pela frente. Ele prevê também que oito milhões de devedores deverão chegar ao fim do ano sem renda para pagar a hipoteca.

O secretário do Tesouro americano, Timothy Geithner, falou que o maior desafio agora é evitar o pior no mercado de imóveis comerciais.

Esse foi o ponto inicial da crise e ainda não parou de piorar. O mundo está longe de poder comemorar, ainda que já possa dizer que dois fantasmas foram evitados: o colapso financeiro e a nova depressão.

A maneira superficial com que as autoridades brasileiras fazem a análise da situação econômica não nos ajuda em nada. A conjuntura tem sinais contraditórios.

Aumentou o otimismo dos empresários e subiu a ocupação da capacidade ociosa. Mas não está no nível que garanta o retorno dos investimentos.

Eles continuam suspensos ou cancelados.

Nos últimos meses houve uma queda da aversão ao risco, os investidores vieram principalmente para os países emergentes. Isso elevou a bolsa e os humores.

Porém, comparados com os outros Brics crescemos menos nos anos de boom; e agora somos o segundo pior em crescimento econômico.

À frente apenas da Rússia, que terá uma forte recessão no ano. O Brasil passou bem pelo pior da crise, por avanços conseguidos em anos anteriores, nas áreas fiscal, monetária, cambial. Mas o avanço fiscal está sendo revertido sem uma visão estratégica.

Estamos gastando mais sem um propósito definido.

Pior é a enorme dependência do setor privado ao setor público que se aprofunda no Brasil: nas mentes em geral e nas receitas das grandes empresas. O último dado de desemprego foi bom. Ele caiu pela primeira vez desde dezembro. Mas onde houve aumento do emprego foi no setor público civil e militar. As empresas e setores que estão melhores receberam dinheiro público, ou através dos bancos ou de renúncia fiscal. Quem ainda não recebeu está na fila. Esperando o governo.

Nos Estados Unidos foi divulgada, na sexta-feira, uma pesquisa feita pela Atlantic Media que traz alguns pontos de reflexão. Sete em cada dez entrevistados disseram que a economia quando se recuperar vai parecer e funcionar diferente do que era. No Brasil, quais são os sinais de que a economia está se transformando, enquanto se recupera? Perguntados se as oportunidades seriam geradas pelo governo, pelas empresas ou por esforço pessoal, a maior parte dos entrevistados, 40%, disse que elas virão do esforço próprio. A maioria, 52%, acha que o governo mais atrapalha que ajuda, mas 38% acham que o governo pode ajudar. Curioso é que metade dos que acham que o governo pode ajudar explica que é ficando menor.

Para quem imagina que é o espírito anglo-saxão funcionando, está enganado. Os hispânicos foram os que mais demonstraram acreditar que é esforço pessoal que leva às oportunidades.

Aqui no Brasil, é difícil encontrar um grupo de jovens que não comente sobre concurso público. Eles esperam que o governo crie as oportunidades e um emprego estável. Da mesma forma como é difícil encontrar uma empresa no país que não esteja aguardando alguma facilidade a ser criada pelo governo.

A crise global continua, apesar dos pequenos sinais de melhora. Aqui, muitos aguardam que o governo nos tire dela. O governo ajudaria bastante se não pusesse esqueletos nos armários.

Custou muito limpar estes armários

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