terça-feira, 28 de julho de 2009

A vez dos países emergentes

Yoshiaki Nakano
DEU NO VALOR ECONÔMICO


O cenário que começa a emergir da crise financeira global é de uma recuperação lenta e hesitante nos Estados Unidos, Europa e Japão, com desemprego elevado por muitos anos e forte elevação das suas dívidas públicas. O comércio mundial deverá permanecer por longo período deprimido devido, principalmente, ao fim do consumismo americano, com as famílias já elevando a taxa de poupança em sete pontos percentuais em relação ao PIB, queda muito forte em bens dependentes de crédito e muitos países privilegiando os empregos e mercados domésticos. Por outro lado, os países emergentes estão apresentando recuperação mais rápida e países como a China estão retomando crescimento em níveis surpreendentes. Este quadro já refletiu na expectativa dos investidores que, em busca de elevados retornos, direcionam seus recursos para países emergentes e para as commodities que vêm também apresentando recuperação surpreendente. Como ficará o Brasil neste quadro?

A recessão nos Estados Unidos, Europa e Japão deverá ser mais profunda e durar mais do que as experiências cíclicas anteriores do período pós-guerra, afinal, foi o colapso do sistema financeiro que causou a contração da economia real, e não o contrário. A recuperação deverá ocorrer somente a partir de meados de 2010, com crescimento muito lento e hesitante posteriormente. Imensos desequilíbrios terão que ser removidos para a economia voltar a funcionar normalmente. Muitos destes estarão operando para reduzir a taxa de crescimento destes países pelo menos no médio prazo, tais como redução no endividamento, desalavancagem e aumento da taxa de poupança do setor privado e política fiscal restritiva, necessária depois dos imensos déficits fiscais em 2009 e 2010.

As economias emergentes importaram a crise. O seu sistema financeiro não entrou em colapso e foi a queda nas suas exportações, devido à queda na demanda nos países desenvolvidos, que provocou a desaceleração das suas economias. A China, por exemplo, está apresentando uma recuperação surpreendente em forma de V, ainda que ninguém espere que volte a crescer a taxas pré-crise. Os países emergentes, ao acumularem reservas, tornaram-se, em maior ou menor grau, menos dependentes do financiamento externo. E, principalmente países com grande população, como a China, Índia e o Brasil, cada um de forma específica, estão explorando o mercado doméstico para promover a recuperação.

Em princípio, o alto potencial de crescimento dos países emergentes não foi afetado pela crise financeira global. Este potencial vem do processo de "catching-up", importando bens de capital e tecnologia para construir uma estrutura produtiva moderna, competitiva e realocando trabalhadores para empregos mais produtivos e melhor remunerados. Isso vem gerando grandes e contínuos ganhos de produtividade e um mercado doméstico dinâmico. A queda drástica no crédito externo e fluxo de capitais não afetará o seu crescimento potencial, pois estes países de alto crescimento com política cambial agressiva manterão superávit em transações correntes, o que no passado lhes permitiu acumular reservas cambiais gigantescas, constituindo seguro contra a própria crise.

Duas consequências importantes decorrem deste quadro: a manutenção de elevadas taxas de retorno nos investimentos nos emergentes e rápido crescimento da demanda de commodities. Ao atrair investidores em busca de alto retorno, disputará recursos financeiros com países mais ricos e deficitários e, certamente, provocará elevação na taxa real de juros de longo prazo. Como os países emergentes já haviam se tornado os maiores consumidores de commodities, respondendo com quase 60% do consumo global de petróleo e quase 70% do consumo de metais e alimentos, deverão manter em rápido crescimento a sua demanda. Assim, além do menor fluxo de capitais, o cenário será de taxa real de juros mais elevadas e preços de commodities também elevados.

A questão central é: como o Brasil deve se posicionar neste cenário? Que ajustes na política macroeconômica devemos adotar para garantir um crescimento sustentado e estável? Tomemos a China como referência: os chineses já se posicionaram mantendo a sua taxa de câmbio fixa ao dólar, ganhando competitividade global adicional com a depreciação do dólar e, com isso, estão substituindo importações. Além disso, estão implementando um vigoroso programa fiscal anticíclico, deslocando gradualmente o dinamismo para o mercado doméstico. Como há folga fiscal, não estão comprometendo o futuro. Utilizando parte de seus US$ 2 trilhões de reservas para comprar empresas no exterior, vão continuar ampliando sua participação no comércio mundial. A característica de sua política é que a taxa real de câmbio estável e competitiva é utilizada como instrumento estratégico de longo prazo para manter elevada a sua taxa de poupança, mantendo a sua independência em relação aos recursos financeiros externos. As políticas monetária e fiscal são anticíclicas e utilizadas como instrumentos de curto prazo para garantirem a estabilidade da economia.

O cenário é favorável para o Brasil. Temos um grande potencial de crescimento do mercado doméstico, somos grande exportadores de commodities e temos uma complexa estrutura industrial já montada no país. Mas o período de bonança externa acabou com crise e deverá prevalecer o novo cenário descrito acima. O Brasil vem ampliando a participação de commodities nas suas exportações e, com regime de câmbio flutuante, o real está cada vez mais atrelado ao preço das commodities, tornado-se uma moeda com comportamento anticíclico. A crise financeira e a retirada da pauta da inflação nos trouxe uma grande oportunidade para flexibilizar a política monetária e para levarmos o patamar de juros próximo ao nível internacional. Neste caso, ainda que com flutuações cíclicas, a taxa de câmbio no longo prazo poderia equilibrar o setor externo. Infelizmente, o Copom acaba de anunciar que não é para onde vamos caminhar.

Em plena recessão e sem nenhum risco inflacionário no horizonte, o Banco Central está cedendo às pressões do mercado financeiro, anunciando que 8,75% é uma taxa adequada às circunstâncias atuais. Com isso continuamos com a taxa real de juros num patamar dos mais altos do mundo, permitindo a apreciação da taxa de câmbio, tornando esta pró-cíclica, e tornando a indústria manufatureira vulnerável não só a flutuações imprevisíveis da taxa de câmbio, mas também a acirrada competição estrangeira. No curto prazo, a demanda dos emergentes por commodities pode dar fôlego à recuperação, mas no longo prazo vamos comprometer o "catching-up", pois este envolve aprendizagem tecnológica e diversificação da indústria, possível com exportação de manufaturados. Com apreciação cambial, voltaremos também a ter crises de balanço de pagamentos. Em relação ao nosso eterno problema fiscal, estamos longe de ter equilíbrio de longo prazo para ajudar a alcançar o equilíbrio externo e podermos atuar no curto prazo de forma anticíclica.

Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas - FGV/EESP, escreve mensalmente às terças-feiras.

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