sábado, 25 de julho de 2009

Zelaya cruza a fronteira, mas volta à Nicarágua

Ricardo Galhardo
DEU EM O GLOBO

Presidente hondurenho deposto desafia governo golpista ao vivo nas TVs internacionais

PARTIDÁRIOS DE ZELAYA tentam se aproximar da fronteira, mas são impedidos por policiais

MANUEL ZELAYA posa diante de uma placa que diz "bem-vindos a Honduras", do lado hondurenho da fronteira com a Nicarágua: teatro político diante de jornalistas

Como numa novela transmitida ao vivo para todo o mundo, o presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, desafiou o governo golpista, atravessou ontem à tarde a fronteira com a Nicarágua e, por alguns minutos, esteve alguns metros dentro de seu país. Diante de cinegrafistas e fotógrafos da imprensa internacional que se acotovelavam, Zelaya levantou a corrente que marca a fronteira entre os países, posou sorridente e entrou em Honduras, onde permaneceu por minutos.

Com um chapéu de vaqueiro na cabeça, e sempre falando num celular, Zelaya ficou por aproximadamente 30 minutos no lado hondurenho da fronteira, cercado de jornalistas, sem que um grupo de militares em uniforme antimotim agisse para cumprir a promessa do governo interino de que o prenderia caso entrasse no país.

Ele se aproximou de uma placa com os dizeres "Bem-vindos a Honduras" para ter mais fotos tiradas. Depois, retornou ao seu jipe, no lado nicaraguense, e ameaçou atravessar a fronteira de novo, desta vez de carro. Porém, ele teria desistido de tentar entrar à força diante dos soldados.

- Não farei isso em respeito aos princípios dos militares - justificou.

Antes de atravessar, o presidente deposto conversou com o tenente-coronel Manuel Pelaya, comandante do posto fronteiriço, que respondeu:

- Quem tem o dever de prender é a polícia, não o Exército.

A entrada de Zelaya teve momentos que foram interpretados de formas diferentes. Seus seguidores afirmam que ele demonstrou coragem, ao desafiar os militares na fronteira. Já seus inimigos políticos consideraram a forma como ele atravessou a divisa uma prova do caráter populista de Zelaya. Emissoras internacionais de TV usaram termos como "circo", "surreal" e "curiosa" a ação do político.

Lula conversa com presidente deposto

Assim que souberam que Zelaya entrara no país - não pelas TVs abertas, que ignoraram o incidente - pela primeira vez desde que foi rendido por militares dentro da residência oficial e deportado para a Costa Rica, em 28 de junho, milhares de seus partidários comemoraram nas ruas de várias cidades. Foram reprimidos pela polícia com cassetetes e bombas de gás lacrimogêneo. Pouco depois, defensores do governo golpista também saíram às ruas da capital, Tegucigalpa, onde se manifestaram tranquilamente.

Poucas horas antes de Zelaya chegar à fronteira com a Nicarágua, o governo interino decretou toque de recolher na região. A ordem exigia que todos permanecessem em suas casas entre meio-dia de ontem e 4h30m de hoje. A maior parte das pessoas soube da ordem às 12h05m, quando o toque de recolher foi divulgado em cadeia nacional. No resto do país, o toque de recolher começou às 22h, como tem acontecido quase todos os dias desde o golpe.

Bloqueios militares foram montados nas estradas que vão até a fronteira com a Nicarágua, e ninguém teve permissão para viajar até o país vizinho. Na estrada que leva até o posto de fronteira de Las Manos, várias centenas de seguidores de Zelaya foram impedidos de prosseguir. Os soldados atiraram bombas de gás lacrimogêneo para dispersar a multidão.

- É injusto que os soldados nos reprimam. Também são do povo - protestou a sindicalista Karen Palencia.

Zelaya chegara na área do posto de controle de fronteira de Las Manos no início da tarde, dirigindo um jipe e seguido por centenas de jornalistas, alguns partidários hondurenhos e do chanceler da Venezuela, Nicolás Maduro. O presidente deposto se aproximou lentamente da linha que demarca a fronteira entre os países, parando dezenas de vezes para falar com pessoas no seu celular ou em telefones passados para ele, e também para dar entrevistas.

Zelaya conversou com diversos líderes políticos, como o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos, José Miguel Insulza, e com a presidente da Argentina, Cristina Kirchner. Com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva dialogou por dez minutos. Segundo o assessor especial da Presidência para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, Lula desejou sorte para Zelaya, mas pediu para que tomasse cuidado para evitar derramamento de sangue. As respostas de Zelaya a Lula foram transmitidas ao vivo por rádios locais.

Diante da falta de apoio internacional e da negativa do comando das Forás Armadas em dialogar, Zelaya retornou ao território nicaraguense.

Apesar das manifestações pontuais - algumas das quais marcadas por confrontos entre manifestantes pró e contra Zelaya - a situação em Tegucigalpa era aparentemente tranquila. A calma nas ruas, no entanto, esconde a extrema polarização da população. O principal ponto de conflito é a suposta ingerência do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, em Honduras.

- O grande culpado desta situação não é Zelaya, é Chávez. Zelaya é um fantoche deslumbrado - disparou o comerciante José Ramón Contreras.

Ontem à tarde o governo interino de Honduras divulgou um comunicado no qual responsabiliza Chávez e o nicaraguense Daniel Ortega pela crise.

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