segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Controle de capitais não é solução

Gustavo Loyola
DEU NO VALOR ECONÔMICO

A recente trajetória de apreciação do real e as previsões de seu fortalecimento adicional nos próximos meses reacenderam o debate sobre a conveniência de adoção de medidas de controle da entrada de capitais externos, com o objetivo de evitar ou atenuar a perda de competitividade dos bens produzidos no Brasil.

Os defensores dessa medida relembram que outros países, no passado, trilharam o mesmo caminho com sucesso. Frequentemente é citado o exemplo do Chile que, no início dos anos 1990, adotou um depósito compulsório não-remunerado sobre o ingresso de capitais.

A minha experiência profissional no Banco Central me aconselha a adotar uma posição pragmática em relação a esse tema. É necessário reconhecer que há situações em que o controle do ingresso de capitais é o único instrumento à disposição do Banco Central. Porém, parece-me que tais situações são sempre excepcionais e temporárias, não sendo razoável perenizar os controles de capitais como elemento integrante do regime cambial de um país.

As principais razões teóricas para adoção do controle do ingresso de capitais são: a) evitar a apreciação do câmbio, nos momentos em que há excesso de oferta de recursos para o país; b) reduzir o influxo de capitais de curto prazo, cuja reversão traz potencialmente problemas macroeconômicos e de instabilidade financeira; c) preservar ou aumentar a autonomia da política monetária.

No presente momento, das três hipóteses acima, apenas o objetivo de impedir a apreciação do real poderia, em tese, ser aventado como motivação para um eventual controle da entrada de divisas no Brasil.

Por um lado, a composição e o tamanho do passivo externo não indicam a presença dos riscos normalmente atribuídos ao excesso de endividamento de curto prazo. Esse tipo de problema ocorre mais frequentemente quando o regime de câmbio é de taxas fixas (ou de bandas estreitas) e na presença de mecanismos de transferência do risco cambial do setor privado para o governo. Obviamente, não é esse o caso da economia brasileira no momento atual.

No regime de taxas flutuantes de câmbio, como o vigente hoje em nosso país, nas situações de reversão do fluxo de capitais, em grande medida os ajustes se dão via preços, principalmente nos casos em que o passivo externo é dominado por investimentos em "equity" e não em dívida. Além disso, os dados mostram que os fluxos de capitais recentes para o Brasil não se caracterizam como dívida de curto prazo, mas sim por investimentos diretos e aplicações em ações negociadas em bolsas de valores.

De outra parte, não há por que falar nesse momento na necessidade de defesa da autonomia da política monetária. Ao contrário, o regime de taxas flutuantes de câmbio se caracteriza, em contraste ao regime de taxas fixas, pela capacidade de se executar uma política monetária doméstica independente. É certo que, na prática, a flutuação "pura" do câmbio é muito rara, predominando, como na situação brasileira atual, um regime de flutuação "suja", em que o mercado se sujeita às intervenções do BC. Na presença de um grande influxo de capitais e havendo a decisão do BC de intervir na ponta compradora de câmbio para evitar a apreciação da moeda doméstica, a acumulação de reservas internacionais pode trazer custos relevantes, quando há um diferencial positivo de taxas de juros. Porém, o quadro atual é de baixo risco inflacionário, portanto mais propício à queda adicional dos juros domésticos do que ao uso de barreiras à entrada de capitais.

Resta, então, pura e simplesmente o objetivo de não permitir a apreciação do real, com vistas a defender a competitividade da produção nacional. O problema é que a manutenção de um nível artificialmente depreciado da moeda nacional não tem o condão de solucionar problemas de tal natureza que normalmente têm raízes estruturais. Quando muito, é admissível que as autoridades busquem evitar a volatilidade excessiva da taxa de câmbio, preferivelmente através da intervenção direta do BC no mercado cambial e não por meio de medidas administrativas como o controle da entrada de capitais. Com esse tipo de política, o objetivo não é a fixação de um patamar mínimo para o valor do dólar, mas sim o de diminuir as incertezas associadas à sua volatilidade excessiva.

Por outro lado, é duvidoso que a intervenção do BC ou medidas administrativas de controle de capitais afetem o nível de taxa real de câmbio a médio prazo. Na verdade, esse tipo de política em nada ajuda na solução dos reais problemas da indústria nacional, tais como a elevada carga de tributos, infraestrutura logística cara e ineficiente, um Estado excessivamente intervencionista e burocrático etc.

Desse modo, a pretensão de afetar a trajetória de câmbio real por meio de controles de capitais parece fadada ao insucesso. Vale ressaltar que mesmo no caso da experiência "exitosa" chilena o efeito dos depósitos compulsórios não-remunerados sobre a taxa de câmbio real foi insignificante. O que se obteve foi a elevação do diferencial entre os juros domésticos e externos, o alongamento do prazo dos passivos externos e a redução dos fluxos líquidos de capitais, conforme atesta trabalho de três economistas do BC chileno ("Documento de Trabajo n. 59", disponível no site do BC do Chile).

Adicionalmente, a adoção de controles de entrada de capitais é desaconselhável pelas dificuldades de administração desses mecanismos por parte do BC, no contexto de mercados financeiros crescentemente integrados e globalizados. A efetividade dos controles tende a ser efêmera, o que exige das autoridades um constante monitoramento e frequentes alterações de regras para evitar que brechas sejam descobertas e aproveitadas pelos agentes de mercado para evadirem-se dos controles. Esse processo não apenas gera um desperdício de recursos como também afeta negativamente o funcionamento do mercado cambial e aumenta as incertezas para os agentes econômicos.

Gustavo Loyola é doutor em Economia pela EPGE/FGV. Ex-presidente do Banco Central do Brasil. Escreve mensalmente às segundas-feiras.

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