terça-feira, 25 de agosto de 2009

Dirigentes se rebelam contra ingerência política na Receita

Jailton de Carvalho
DEU EM O GLOBO

Doze deixam a cúpula do órgão em protesto pela demissão de Lina Vieira

Doze dirigentes da Receita Federal pediram exoneração em protesto contra a demissão da ex-secretária Lina Vieira e o que consideraram “ingerência política” na instituição. Em carta ao novo secretário, Otacílio Cartaxo, o grupo afirma: “O que nos trouxe para a Receita foi a crença na possibilidade de construção de uma instituição mais republicana, com autonomia técnica e imune a ingerências e pressões de ordem política ou econômica.” O estopim da rebelião foi a demissão da chefe de gabinete de Lina, Iraneth Weiler, que confirmara o encontro da ex-secretária com Dilma Rousseff.

Entre os demissionários estão cinco dos dez superintendentes e o segundo homem na Receita. Cartaxo e o ministro Guido Mantega não comentaram a rebelião.

A revolta do Leão

Doze dirigentes da Receita pedem demissão coletiva em ato de desagravo a Lina Vieira


BRASÍLIA Numa rebelião sem precedentes de dirigentes do Fisco no país, cinco dos dez superintendentes da Receita Federal, um subsecretário, um superintendenteadjunto e cinco coordenadoresgerais pediram exoneração ontem em protesto contra a demissão da ex-secretária Lina Vieira e contra suposta ingerência política na instituição.

Entre os demissionários está o subsecretário de Fiscalização, Henrique Jorge Freitas da Silva, o segundo homem na hierarquia da instituição.

Em carta de demissão coletiva, entregue à tarde ao novo secretário, Otacílio Cartaxo, os 12 altos dirigentes da Receita lembram que tinham aceitado os cargos de chefia “na crença da possibilidade de construção de uma instituição mais republicana, com autonomia técnica e imune às ingerências e pressões de ordem política ou econômica”.

Eles afirmam ter pautado a carreira nos princípios da ética, da impessoalidade, da legalidade e da moralidade.

E completam: “Tendo em vista os últimos acontecimentos relacionados com a alta administração da Receita Federal, e considerando que essas medidas revelam, sem dúvida, uma clara ruptura com a orientação e as diretrizes que pautavam a gestão anterior, nós, subsecretário de Fiscalização, superintendentes e coordenadores abaixo relacionados, declaramonos impossibilitados de continuar participando da atual administração”.

Entre as medidas que estariam por trás da rebelião, o grupo cita “a forma como ocorreu a exoneração da ex-secretária Lina Vieira” e as supostas ameaças do governo de demitir todos os aliados da ex-secretária que ocupavam cargos estratégicos na Receita. Embora não citem nomes, as críticas seriam endereçadas aos ministros da Fazenda, Guido Mantega, e da Casa Civil, Dilma Rousseff, responsáveis pela troca no comando da Receita e pela mudanças na forma de atuação do órgão.

Na mesma carta, o grupo apela ainda para que a nova administração “não tolere qualquer tipo de ingerência política no órgão” e preserve a “autonomia técnica da Receita na solução de consultas e divergências de interpretação”. Lina Vieira foi demitida por Mantega depois de se manifestar contra a decisão da Petrobras, a maior estatal do país, de fazer mudanças no regime de recolhimento de impostos.

A medida provocou perda de R$ 4 bilhões na arrecadação federal.

Chefe de Gabinete de Lina afastada


Horas antes da demissão dos dois, foi confirmado o afastamento de Iraneth Weiler, que era chefe de Gabinete de Lina Vieira e confirmara o suposto encontro da então secretária com a ministra Dilma Rousseff. Também foi afastado Alberto Anadeu Neto, que era assessor especial de Lina.

Os 12 demissionários pedem ainda que os novos administradores aprofundem “a política de fiscalização que vem sendo implementada com o foco nos grandes contribuintes”. Depois que deixou a Receita, Lina Vieira denunciou que Dilma Rousseff pediu para agilizar a fiscalização sobre os negócios do empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). Dilma nega o encontro com Lina.

Num longo desabafo, os demissionários pedem ainda que o governo ponha fim à chamada “portaria da mordaça”, que determina que auditores só podem participar de palestras e entrevistas com autorização prévia do secretário. A regra nem sempre é respeitada. Mas os dirigentes temem que a norma seja usada para futuras retaliações contra quem diverge do comando.

O protesto tem entre seus líderes o superintendente de São Paulo Luiz Sérgio Fonseca Soares, um dos principais aliados de Lina Vieira. Numa demonstração de força, a exoneração de Luiz Sérgio foi acompanhada pela de mais seis altos dirigentes da Receita em São Paulo, entre eles os três superintendentesadjuntos. A rebelião pode se alastrar ainda por outros setores da Receita. Pelo menos outros 30 aliados de Lina Vieira ainda estão em postos intermediários, mas também estratégicos na instituição.

A demissão coletiva é crônica de uma rebelião ensaiada há mais de dois meses. Em 14 de julho, boa parte dos demissionários, entre eles Luiz Sérgio, participou de um almoço em solidariedade à ex-secretaria. Depois do encontro, o grupo avisou que, se não houvesse uma correção de rumos, haveria demissão coletiva.

— O grupo da Lina tem uma característica que é não recuar. Eles vão levar as críticas às últimas consequências — disse auditor.

O presidente do Unafisco, Pedro Delarue, também defendeu uma Receita livre de influências políticas, mas não quis dimensionar o impacto da demissão coletiva na instituição: — Temos que garantir a autonomia e a independência da Receita. A instituição deve ter uma administração técnica, livre de ingerência política.

Mantega e Otacílio Cartaxo não fizeram comentários sobre a rebelião. Em nota, a assessoria do Ministério da Fazenda informou que “as mudanças na Receita foram administrativas”, e que não houve mudança na orientação em relação ao trabalho do órgão. A assessoria se limitou a informar que as demissões seriam publicadas no Diário Oficial.

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