domingo, 2 de agosto de 2009

Discutindo a relação

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

A relação dos políticos com a população, e o papel dos meios de comunicação nessa intermediação, vem mudando com o advento das novas tecnologias, mas os estudiosos do assunto alertam que é irrealista imaginar que a opinião pública não seja afetada pelas denúncias veiculadas pela grande mídia. O cientista político Alberto Carlos Almeida, especialista em análise da opinião pública, autor do best seller “A cabeça do brasileiro”, lembra que tanto no mensalão quanto na crise das mordomias no Congresso, que desaguou na crise das denúncias contra o presidente do Senado, José Sarney, foi a grande imprensa que comandou o processo de denúncia e apuração

A mudança na intermediação existe, lembra Rosental Calmon Alves, professor da Universidade do Texas. Ela é parte desse processo, mas não é absoluta, tanto que quando o Michael Jackson morre, os blogs podem dar a notícia antes, mas os sites de notícias vão lá em cima na audiência. “As pessoas falam entre elas, mas precisam da mídia profissional para ter informações confiáveis”.

Da mesma forma, o papel fiscalizador do jornalismo, por exemplo, não está em questão, diz ele. Quando o deputado Sérgio Moraes diz que está “se lixando” para a opinião pública e que mesmo com as denúncias “nós somos eleitos da mesma maneira”, ele está, sem saber, falando mais dos defeitos de nosso sistema eleitoral do que da falta de influência dos meios de comunicação no eleitorado.

Alberto Carlos Almeida ressalta que o eleitor na periferia, que luta pela sobrevivência, “não faz a junção de causa e efeito entre a corrupção e as dificuldades de sua vida. E nem os políticos fazem essa ligação”.

A longo prazo, a situação só melhora com a educação, mas ele vê nesse processo lento “sinais claros de que já está acontecendo. Alguns políticos não conseguem se eleger para cargos majoritários.

O eleitorado vai dando um jeito de punir”.

Já Miguel Darcy de Oliveira, que trabalha com ONGs em comunidades carentes, diz que “os políticos estão convencidos de que a população não sabe se exprimir, e a população está convencida de que os políticos não sabem ouvir”.

Este divórcio se rompe mais facilmente nas eleições majoritárias do que nas proporcionais, pois o tempo de exposição dos candidatos a cargos executivos permite à massa dos eleitores formar sua opinião. “Nas eleições parlamentares, o sistema eleitoral fragmenta a informação e o voto. Daí a importância do voto distrital para corrigir esta distorção”, analisa.

O cientista político Alberto Carlos Almeida concorda, e diz que Brasil está em processo de mudança “de que às vezes a gente não se dá conta”. Antes, diz ele, a população não tinha dinheiro para circular, hoje “tem um dinheirinho sobrando, e cada dia vai sobrar mais”.

A consequência é que estão consumindo um pouco mais de informação, que ficou mais barata também com a internet nas lan houses e os jornais populares.

“Quem tinha menos informação passou a ter mais. Por outro lado, na sociedade de massa a informação vai ficando mais fragmentada”.

Por isso, lembra Rosental Calmon Alves, os jornais estão fazendo todo esforço possível para se tornarem mais interativos, mais participativos.

“As pessoas querem ler, ver e ouvir o que a mídia profissional diz. Mas também querem ser lidas, vistas e ouvidas, e querem ler, ver e ouvir pessoas como elas, que não são os profissionais. O que existe é um ambiente de mídia diferente, mas que não substitui o que já há”.

Ao contrário de tornar as opiniões na mídia impressa obsoletas, a tecnologia as torna mais relevantes ainda, acredita Rosental.

Miguel Darcy de Oliveira diz que o debate de temas de interesse público, como violência, aborto ou drogas, coloca desafios similares.

“Quando se reduzem problemas complexos a respostas simplistas, temos grandes maiorias favoráveis à pena de morte, proibição do aborto e criminalização das drogas.

Quando o tema é apresentado de maneira mais humana, como fazem por exemplo as novelas, a discussão ganha outra qualidade, e a população forma sua opinião”.

Ele acredita que cada vez mais “as pessoas elaboram seus pontos de vista e fazem suas escolhas com base no que vivem e veem”. Miguel Darcy acha que a sociedade está na frente da política, e a crise da representação reside “menos na desinformação das pessoas e muito mais na incapacidade dos políticos”.

Rosental destaca que uma das novas funções do jornalismo é a de ser “o facilitador das conversas das pessoas que estão na internet. Você passa de uma audiência passiva para um público ativo, e essa é que é diferença”.

Como a maior parte dos blogs repercute o que sai na mídia, o jornalismo profissional é tão importante. “Ele tem uma estrutura, uma deontologia, uma forma profissional de colher e checar informações que a vasta maioria dos blogueiros não tem”, constata Rosental.

Isso não quer dizer, lembra, que em alguns setores de nicho os blogs não comecem a dar furos. “Na área de tecnologia, por exemplo, existem blogs tão especializados que até os jornalistas que cobrem o tema para os grandes jornais precisam acompanhar por que eles dão furos.

Mas são blogs que têm uma base financeira, de reputação, de muitos anos”.

Alberto Carlos de Almeida acha que a Justiça tem um papel importante de impedir a impunidade e deixa uma lacuna.

“Nos Estados Unidos, a Justiça usa até cálculo de probabilidades para definir uma fraude financeira. Se a probabilidade de um sequência de números for pequena e ela acontecer, isso é considerado como prova na Justiça.

Aqui o João Alves pode ganhar toda semana na loteria, e ninguém nota”.

Miguel Darcy de Oliveira lembra que a adesão popular ao Plano Real e a mudança nos padrões de consumo de energia quando do apagão “são exemplos de que problemas complexos, quando bem explicados, podem ser entendidos e influenciam comportamentos.

O problema é que estes exemplos são raros”.

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