segunda-feira, 3 de agosto de 2009

A oferta de esperança

Fábio Wanderley Reis
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Em artigo publicado ano passado na Itália ("Su Democrazia e Sfera Pubblica Immaginaria"), Alessandro Pizzorno discute problemas relacionados à representação política, retomando temas a que se dedica há muito. Ressaltando o fato de que, nas condições atuais de operação da democracia, os eleitores são cada vez mais destituídos de influência real sobre as políticas públicas, restrita amplamente aos grupos de pressão, Pizzorno examina o papel de lideranças, movimentos ou partidos em termos do contraste entre os bens de curto prazo e de longo prazo que os cidadãos podem esperar do processo político. Tal papel acaba descrito em termos de "oferta de esperança": em vez de um governo representativo capaz de colocar seus eleitores em condições de avaliar as vantagens ou desvantagens de uma ou outra política pública, teríamos um sistema de partidos e unidades coletivas de tipo variado (étnicas, religiosas) em que a autoridade da classe política estaria fundada na combinação da esperança que oferece quanto a fins de longo prazo - em larga medida, segundo Pizzorno, imaginários: fins nacionais, de classe, da humanidade, dos povos do mundo - e a capacidade de transformar essa esperança em consenso para as políticas de curto prazo. É a relação entre a classe política e a população, diz Pizzorno, que o Estado deve empenhar-se em tornar virtuosa; e só a presença de doutrinas em que se expressem fins de longo prazo divergentes (o aspecto de divergência é salientado) pode dar sentido a uma participação na vida política que não seja meramente "profissional" ou clientelística, características estas associadas à busca de objetivos privados pela classe política e à ideia de uma "sociedade de caroneiros" ou aproveitadores.

Avesso a recentes concepções da democracia devidas a economistas e à tendência a equiparar sua dinâmica à do mercado, Pizzorno dá ênfase especial a temas de identidade. Mas as sociedades que têm mais diretamente diante dos olhos são sobretudo sociedades de características socialdemocráticas, fruto da afirmação de identidades referidas em ampla medida a interesses materiais e à "questão social", e seus fins "imaginários" de longo prazo não deixam de incluir os relativos a classes sociais. Isso aumenta sua relevância para a política brasileira, onde, apesar da importância do problema racial, não temos tido conflitos étnicos ou religiosos significativos, enquanto se mantém a grande desigualdade socioeconômica. Inútil destacar a relevância pelo lado da ideia de uma classe política a serviço de seus próprios interesses numa sociedade de aproveitadores.

É bem claro que temos sido carentes na oferta política de esperança. Naturalmente, isso se traduz sobretudo na precariedade dos nossos partidos políticos, aos quais faltam, como sempre se aponta, os compromissos diferenciadores de longo prazo que evitassem transformar a criação de consenso no curto prazo de cada conjuntura em meras espertezas de interesses pessoais dispersos. Sem falar, além disso, de algo que Pizzorno, no texto citado, não destaca com força: a decantação que permite que objetivos divergentes de longo prazo se acomodem em identidades que, sendo estáveis, sejam também realistas e compatíveis com um jogo eleitoral sem tropelias.

O PT representa, por certo, a grande decepção recente quanto à oferta de esperança. Combinando, na imagem que projetou por muito tempo, justamente compromissos de longo prazo e de construção institucional com o trunfo de um Lula capaz de beneficiar-se com a identificação singela e pronta de um eleitorado a cujos olhos os compromissos tendiam a parecer confusos, acabamos por vê-lo agora reduzido à tensão entre os dois termos desse arranjo. Sem dúvida, o simbolismo ligado à figura de Lula ganhou força ao juntar a imagem popular de há muito a políticas sociais de sentido redistributivo - que podem, sim, contra Pizzorno, ser avaliadas em suas vantagens por vastas parcelas do eleitorado. Mas é difícil pretender que a oferta consistente de esperança e a construção institucional venham a resultar de circunstâncias em que o peso da autoridade de Lula arrasta um partido profundamente abalado a arranjos espertos em torno de uma eleição cujas feições se conectam de maneira pouco clara com objetivos defensáveis de longo prazo: é preciso cultivar o PMDB! Pelo que temos visto, em suma, não obstante o muito que há de positivo em um Lula na presidência deste país desigual (à parte, tudo somado, o bom governo inegável) e na chegada a bom termo, institucionalmente, de um governo "lulopetista" de dois mandatos, não cabe contar com Lula como o lúcido construtor de um partido melhor, capaz de ser a um tempo realisticamente democrático e consistente.

Mas tampouco cabe dizer muito, desse ponto de vista, se o foco é o PSDB, que nos propiciou, em particular com Fernando Henrique Cardoso, a outra experiência partidária (e de governo) de alcance nacional a merecer destaque positivo no período recente. Houve aí, certamente, a disposição intelectualmente mais alerta para as complicações do jogo entre a reafirmação de princípios e metas de longo prazo (a "refundação política", talvez) e o realismo que a criação de consenso no curto prazo impõe. O PSDB como instituição a resultar disso, porém, deixa muito a desejar, e suas dificuldades e embaraços na conjuntura de agora não são menores: enquanto não resolvemos sobre coisas como programa (ou socialdemocracia) e candidato, visitemos e apoiemos Sarney, é preciso cultivar o PMDB!

No panorama de curto prazo, briga de líderes pela imprensa, chumbo trocado de denúncias junto a um desmoralizado Conselho de Ética de um Senado desmoralizado, CPI da Petrobras que acontece ou que se abafa...

Fábio Wanderley Reis é cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. Escreve às segundas-feiras

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