sexta-feira, 7 de agosto de 2009

'A questão da censura é a mesma da crise do Senado'

Julia Duailibi
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Entrevista - José Arthur Giannotti: filósofo; para professor, não é papel do Judiciário impor restrições à veiculação de informações de interesse público

Professor emérito da Universidade de São Paulo (USP), José Arthur Giannotti, um dos filósofos mais respeitados do País, afirmou ontem, em entrevista ao Estado, não ser papel do Judiciário impor restrições à veiculação de informações de interesse público. "A questão da censura, ao meu ver, é a mesma questão que está levando à crise do Senado, que está levando à esculhambação da política na América Latina. É uma questão mundial, mas no Brasil acontece de forma muito aguda", afirmou.

No dia 30, o desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, proibiu o Estado de publicar informações sobre Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), de quem é amigo. "Quando você tem juízes que estão tomando parte no festim de Brasília, eles entendem perfeitamente que precisam defender o festim", disse. Para o filósofo, a democracia brasileira, "frágil", propicia situações como essa. "Temos sempre de estar vigilantes", disse Gianotti, que completou: "O que temos é uma bagunça generalizada."

A seguir, trechos da entrevista.

Qual avaliação o sr. faz da proibição imposta ao jornal O Estado de S. Paulo de publicar informações sobre o filho de Sarney?

Em primeiro lugar, isso está dentro de um problema geral na América Latina, que é a ameaça à democracia formal, que é uma democracia de direitos. Passamos por uma época de crescimento, do Brasil em particular. Uma massa grande de cidadãos entrou para o sistema político, e os seus representantes são pessoas que estavam inteiramente de fora da vida política tradicional. E esse pessoal não tem nenhum compromisso com a democracia formal. A questão da censura, ao meu ver, é a mesma questão que está levando à crise do Senado, que está levando à esculhambação da política na América Latina. É uma questão mundial, mas no Brasil acontece de forma aguda.

O sr. acha ser papel do Judiciário impor restrições à veiculação de informações de interesse público?

Não, óbvio que não. Acontece que, quando você tem juízes que estão tomando parte no festim de Brasília, eles entendem perfeitamente que precisam defender o festim.

Decisões do Judiciário são influenciadas por questões políticas?

Quando decisões do Judiciário chegam à Corte Suprema, sempre são influenciadas pelo jogo político. A Suprema Corte é o lugar onde se faz a união entre direito e política, em qualquer lugar do mundo.

No Brasil, por ser ainda uma democracia recente, essa influência ocorre com mais frequência?

Sim, no Brasil temos que resistir ao máximo. Temos que perceber também que isso não é apenas um epifenômeno (fenômeno acessório), não é uma coisa acidental. Está ligado ao aumento da cidadania no Brasil. Na medida em que uma massa enorme entrou no mercado, passou a participar da vida cotidiana, com seus direitos. Eles (integrantes dessa massa), como acabaram de vir, pensam em termos dos ganhos imediatos. Não são capazes de perceber que um ganho imediato pode ser abolido numa perspectiva mais longa. Essa falta de previsão, que marca o governo Lula, leva ao desprezo da democracia formal. Se os nossos representantes tivessem uma cultura política mais aprofundada, isso não aconteceria.

Como conciliar liberdades individuais e direito à informação num País em que a Justiça está sujeita à influência política? São necessárias novas regras?

Não adianta regra. O problema é que você passa a obedecer à regra, e outras pessoas reclamam quando a regra é obedecida. Sempre haverá um desgraçado que vai querer passar a perna na regra.O que tem de ser feito, e ao meu ver está sendo bem feito, é lutar contra a decisão imposta de uma forma férrea e ainda com a bênção de um direito que, afinal de contas, é mal interpretado.

Qual lição o País deveria tirar de episódios como esse?

Que a nossa democracia é muito frágil. E nós temos sempre de estar vigilantes.

Essa censura remete a épocas como a do regime militar?

Acho que não. Na ditadura, tivemos outro processo.Houve uma ruptura do sistema democrático. Não é isso que acontece agora. O que temos é uma bagunça generalizada. Ela reflete a enorme variedade da sociedade brasileira hoje. É a integração dessa massa na vida cotidiana, pública e política.

As instituições brasileiras tendem a se fortalecer com o amadurecimento da democracia?

Tendem, mas também há tendências que são contrárias. Existem países que não dão certo. Nada leva a dizer que o Brasil vai dar certo. Veja o caso da Argentina. Era um grande país, mas se estrumbicou. Nada impede que o Brasil percorra este caminho.

Carlos Lessa
Ex-presidente do BNDES

"Não acho que seja correto obter uma liminar para não publicar. Se o Estadão está pegando erros do presidente do Senado, está prestando um serviço à sociedade. Quem não deve não teme"

Christiane Torloni
Atriz

"Qualquer tentativa de volta de censura é um retrocesso histórico. Não foi para isso que se lutou pela democracia. A imprensa tem que comprovar as denúncias. Neste caso, está comprovado"

Ricardo Ismael
Cientista político

"É papel da imprensa informar o que está acontecendo no País, em particular quando há suspeita de malversação do dinheiro público. Investigações sob sigilo têm restrições, mas se o jornal teve acesso deve publicar"

Jaguar
Cartunista

"Já levei tanta cacetada da censura. As coisas que estão acontecendo no Brasil são das mais malucas. Volta da censura, volta do Collor. Não tem o menor cabimento falar de censura hoje. Achei que era algo já enterrado"

Alba Zaluar
Antropóloga

"Significa um grande retrocesso. Por que não se pode noticiar sobre alguém que é filho de fulano e não sobre o filho de outro? Cria um privilégio que não tem cabimento numa democracia"

Ignácio Cano
Sociólogo

"É uma decisão descabida que atenta contra a liberdade de expressão e o senso comum. Algumas pessoas deste país infelizmente ainda conseguem no Judiciário tolher um direito básico como a informação"

Bete Mendes
Atriz

"É realmente um absurdo, absurdo, absurdo. Como o ex-ministro Fernando Lyra (da Justiça), que acabou com a censura no País, todos nós lutamos por muito tempo para termos liberdade
de expressão"

Roberto Farias
Presidente da Academia Brasileira de Cinema

"Tenho medo, porque vivi nos tempos da censura do governo militar. Tive um filme censurado. Me impressiona como um símbolo da luta contra a censura, como foi o Estadão, esteja passando por isso"

Carlos Lyra
Compositor

"Eu não estou proibido de falar. A imprensa é o único órgão que noticia e denuncia. Se não existe liberdade de imprensa, então nós voltamos à ditadura militar ou ao bolchevismo, que é o que existe dentro do governo"

Chico Anysio
Humorista

"No Brasil, tudo o que é ruim volta. Eu acho isso inadmissível, porque depois vão proibir de se falar da neta, da filha, do próprio Sarney... Ele não é uma pessoa, é uma comunidade. Daqui a pouco vai dizer que não conhece o neto. O Brasil inventou a impunidade"

Lúcia Murat
Cineasta

"Sou inteiramente contrária a qualquer tipo de censura à imprensa. E acho que toda a sociedade civil também é contra a censura. Numa democracia não se pode impedir que a informação seja divulgada"

Adauto Novaes
Filósofo e jornalista

"É assustador que num momento em que o País tenta se estruturar pela liberdade e a democracia aconteça uma coisa dessa. Você não sabe onde pode parar. Pode ser a ponta de alguma coisa muito pior"

Giulia Gam
Atriz

"Acho muito perigoso a censura à imprensa. Se o jornal é irresponsável, se faz uma acusação que não procede, você pode processar. Mas se for verdade, não se pode cercear"

Flavio Marinho
Autor teatral

"Estou chocado, como ex-jornalista e cidadão brasileiro. Não acredito que a gente tenha levado tantos anos para conquistar a democracia para esse tipo de cerceamento de imprensa acontecer"
Eduardo Dussek
Cantor, compositor e ator

"É um absurdo, inaceitável. Todo mundo já sabe o que existe no Senado Federal. O que estamos vendo parece coisa de republiqueta da parte de cima da América do Sul"

Marieta Severo
Atriz

"Fico indignada. O papel da imprensa é importantíssimo para a transparência. Eu quero saber o que está acontecendo e acredito que tenho o direito de ser informada"

Dom João de Orleans e Bragança
Fotógrafo

"A própria relação do juiz com os Sarney registrada na fotografia mostra que ele não tem isenção para julgar o caso. A decisão representa censura, algo que abolimos há 25 anos"

Carlos Tufvesson
Estilista

"Acho que lutamos por muito tempo no período negro da ditadura para ter uma democracia plena num Estado de Direito para vê-la sendo usada da maneira pouco representativa, como tem sido ultimamente"

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