terça-feira, 4 de agosto de 2009

Senado em guerra

Maria Lima - Brasília
DEU EM O GLOBO

Simon pede renúncia de Sarney e é ameaçado por tropa de choque comandada por Collor e Renan

Depois de seis meses de crise, o Senado voltou ontem do recesso de julho e foi tomado por uma guerra entre os que defendem a saída do presidente José Sarney e os integrantes de sua tropa de choque, comandada por Fernando Collor e Renan Calheiros. Dispostos a tudo para manter o poder, os aliados de Sarney tentaram intimidar quem defendeu a renúncia, começando por Pedro Simon, que chegou a sofrer ameaças. No bate-boca, Collor, que fora citado por Simon em discussão com Renan, voltou ao velho estilo e, exaltado, gritou: "São palavras que não aceito. Quero que o senhor as engula e as digira como achar conveniente." O presidente Lula reafirmou seu apoio a Sarney.

Cenas indigestas no Senado

Simon pede saída de Sarney e é atacado e ameaçado por tropa de choque de Collor e Renan

No primeiro dia de funcionamento do Senado após o recesso, o plenário da Casa foi incendiado ontem por duros ataques e ameaças dos grupos pró e contra a permanência do presidente José Sarney (PMDB-AP) no cargo. Depois de rápida passagem de Sarney pelo plenário, o líder do PMDB, Renan Calheiros (AL), juntamente com o expresidente e senador Fernando Collor (PTB-AL), arregimentou sua tropa para contra-atacar, jogando pesado. O alvo principal foi Pedro Simon (PMDBRS), que fazia mais um apelo para que Sarney renunciasse, num gesto de paz, para preservar o Senado.

Municiados com informações sobre a vida política dos críticos de Sarney, a dupla Renan/Collor partiu para a guerra e, aos gritos, defendeu o presidente do Senado e tentou intimidar seus críticos, até com ameaças.

Simon foi surpreendido por duros ataques de Renan. Depois foi a vez de Collor, que, transtornado, aproveitou o bate-boca para atacar a imprensa e rememorar fatos que levaram ao seu impeachment na Presidência.

— Só lamento que seu esporte favorito nos últimos 35 anos tem sido falar mal do presidente Sarney. Desde que ele foi indicado vice do Tancredo (Neves), V. Excelência fala mal dele. V.

Excelência queria ser o candidato a vice, mas perdeu a indicação no partido — disparou Renan.

Exaltado, Simon reagiu: — V. Excelência está inventando isso. É mentira! Uma calúnia! Renan prosseguiu, dizendo que nunca entendeu por que Simon saiu do hospital, onde se recuperava de uma cirurgia, para pedir o afastamento de Sarney, depois de ter ido a seu gabinete dizer que estava solidário com o presidente da Casa.

Precondição da vida, diz Mão Santa

Em resposta, Simon disse que Renan é que era um líder contraditório, e relembrou a ida do peemedebista à China, para combinar com Collor a candidatura dele à Presidência, em 1989. Mas, quando Collor estava sendo cassado, lembrou Simon, Renan o abandonou e depois foi ministro do governo Fernando Henrique Cardoso: — V. Excelência foi à China fazer acordo com o Collor. Na véspera de o Collor ser cassado, V. Excelência largou o Collor. Lá pelas tantas, apareceu como ministro da Justiça do Fernando Henrique. Lá pelas tantas, largou o FHC. Agora, é o homem de confiança do Lula.

Simon também disse que Collor foi ao Rio Grande do Sul lhe propor que formassem uma chapa, mas ele não quis. Imediatamente, Collor chegou correndo ao plenário, com os olhos saltados e arfando muito. Voltando ao estilo “faca na bota”, que inaugurou na sua campanha presidencial, Collor mandou Simon engolir as palavras, ameaçando revelar coisas que o deixariam em situação constrangedora.

— São palavras que não aceito! Quero que o senhor as engula e as digira como achar conveniente! — gritou. — Evite pronunciar meu nome, porque da próxima vez que tiver que pronunciar o seu, eu gostaria de relembrar alguns fatos e momentos extremamente incômodos para V. Excelência! — Fale agora! — desafiou Simon.

— Falarei quando for oportuno — respondeu Collor, que permaneceu, até o fim do discurso de Simon, sentado logo abaixo, encarando-o de forma ameaçadora, sem desviar o olhar.

Depois dos ataques, Simon tentou reagir, ainda que moderadamente, mas foi massacrado por outros como Wellington Salgado (PMDBMG) e Epitácio Cafeteira (PTB-MA).

Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) e Renato Casagrande (PSB-ES) saíram em defesa de Simon.

— Não há outro caminho a não ser o aprofundamento das investigações sobre o presidente Sarney — disse Casagrande.

— Um senador da República mandar o outro engolir e digerir as palavras como achar que deve? — reagiu Jarbas, pedindo que Mão Santa (PMDB-PI), que presidia a sessão, determinasse a retirada dos termos das notas taquigráficas. Sem sucesso.

— Senador Jarbas, com todo o respeito. Eu sou professor de fisiologia.

As palavras engolir e digestão nunca foram pejorativas para mim.

Sempre as entendi até como uma precondição de vida — respondeu Mão Santa.

Durante a fala do gaúcho, Renan continuou no ataque. Insinuou que, quando era ministro da Agricultura de Sarney, Simon teria feito negócios escusos com importação de carne com uma empresa chamada Pôr do Sol.

— V. Excelência conhece a empresa Pôr do Sol? Diga senador, o que tem com essa empresa? O país conhece minhas vísceras, mas V. Excelência precisa ser conhecido pela Nação — continuou Renan.

— Quando falaram que iriam tentar buscar coisas de todo mundo, não estavam mentindo. Só que esse caso aconteceu seis meses depois que saí, já era governador do Rio Grande. É mentira! — reagiu Simon.

Quando Simon já descera da tribuna, Collor voltou ao ataque, para dizer que o que Sarney estava enfrentando na mídia era algo que conhecia bem pelas “entranhas”: — Sei o que o presidente Sarney está passando porque também já passei por isso. Sei como essas coisas são urdidas, vazadas, como correm pelos subterrâneos da imprensa que quer que esta Casa se agache.

Collor chamou os “caras pintadas” de “movimento estético-cultural” que foi saudado pelo povo como manifestação da democracia. E lembrou que depois foi inocentado pelo Supremo Tribunal Federal.

— Não vi algo (na fala de Simon) que pudesse ser ofensivo ao presidente Collor — disse Suplicy, dirigindose a Collor: — Participei da CPI do PC Farias, V.
Excelência cumpriu oito anos de afastamento político, se elegeu senador, veio para o Senado e tem sido tratado aqui com respeito.

Sarney nega que pretenda renunciar

Sarney assistiu à guerra do gabinete.

Mais cedo, reapareceu no plenário apenas para demonstrar força. Durante os 80 minutos em que presidiu a sessão, no início da tarde, não ouviu nos discursos uma só menção à crise ou às denúncias de corrupção que envolvem seu nome e de familiares.

Tentando aparentar tranquilidade, era o retrato do nervosismo. Chegou ao plenário quando terminara o discurso do líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM), sobre sua ação contra a decisão de um desembargador de censurar o jornal “O Estado de S. Paulo”.

Depois do tucano, quando Collor se preparava para subir à tribuna, Sarney assumiu a presidência.

Sarney ouviu Collor discursar sobre uma encíclica do Papa Bento XVI e depois teve sua companhia na Mesa.

Aliados de Sarney fugiram da crise com assuntos que foram de citações ao escritor Euclides da Cunha a medidas da área da Previdência. Às 14h55m, quando Simon entrou no plenário, Sarney mudou o semblante e saiu logo depois. Na saída, declarou estar preparado para a guerra.

— Estou com o espírito muito bom.

Nunca deixei de estar confiante.

E negou que vá renunciar: — Isso não existe! Isso não existe — descartou Sarney

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