quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Governo quer taxar poupança em 22,5%

Patrícia Duarte, Mônica Tavares e Felipe Frisch
BRASÍLIA e RIO
DEU EM O GLOBO


O poupador vai pagar 22,5% de Imposto de Renda (IR) sobre ganhos nas cadernetas com saldo acima de R$ 50 mil a partir do ano que vem. Pela proposta que o governo vai encaminhar nos próximos dias ao Congresso, se o poupador tiver R$ 52 mil de saldo, por exemplo, o IR incidirá sobre os rendimentos referentes a R$ 2 mil.

Mordida maior na caderneta

Governo fixa IR da poupança em 22,5% e muda cálculo, ampliando vantagem dos fundos

O poupador vai pagar alíquota de 22,5% de Imposto de Renda (IR) sobre os rendimentos da caderneta que ultrapassarem R$ 50 mil a partir do ano que vem. Com a medida, o governo deverá arrecadar entre R$ 500 milhões e R$ 1 bilhão, segundo uma fonte da equipe econômica. As medidas, que fazem parte do pacote preparado pelo Ministério da Fazenda e que ainda têm de passar pelo crivo do Congresso, valem para todas as cadernetas já existentes e as que serão abertas no futuro.

Os detalhes do projeto foram divulgados ontem e mostram que houve mudanças importantes em relação às medidas anunciadas em maio. Entre elas, a de que o IR será descontado na fonte, ou seja, diretamente de cada poupança. Antes, o governo havia proposto que o imposto seria pago com a declaração anual de IR e as alíquotas iriam variar de 15% a 27,5%. Também saiu de cena o redutor de zero a 100% da base de cálculo que iria variar de acordo com a taxa básica de juros, a Selic, hoje de 8,75% ao ano.

O fim do redutor e o desconto único de 22,5% aumentaram significativamente a vantagem dos fundos de renda fixa e DI sobre a poupança. Isso porque a alíquota de 22,5% é o teto do IR destes fundos, percentual que só incide sobre aplicações que durem até seis meses.

Quem fica nos fundos por mais de dois anos paga 15% sobre a rentabilidade.

Com as novas medidas, o rendimento líquido da poupança pode cair de cerca 0,51% ao mês hoje para até 0,43%.

Levando em conta as elevadas taxas de administração cobradas pelos fundos, a caderneta deve voltar a render menos, por exemplo, do que as aplicações com taxas a partir de 2,5% ao ano para o investidor que ficar mais de dois anos. Mesmo para o investidor de curto prazo, a vantagem dos fundos deve permanecer caso o fundo tenha taxa inferior a 2%. Hoje, com a Selic em 8,75% ao ano, para ganhar da poupança — isenta de IR —, os fundos precisam cobrar taxas de administração inferiores a 0,5% ao ano

Oposição pedirá explicações

O secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, chegou a dizer ontem que as alíquotas que incidem sobre os fundos serviram de base para determinar o valor para a poupança. Mas, logo depois, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, revelou que a taxação seria fixa em 22,5%. A tributação, argumentou o secretário, tem um caráter preventivo.

Isto porque não está havendo, como o governo temia, migração dos fundos para a poupança, cujos rendimentos (Taxa Referencial mais 0,5% ao mês) passaram a ser maiores.

— Essa medida é importante, porque você pode ter um desequilíbrio potencial (dos mercados) — afirmou ele, acrescentando que o governo ainda não decidiu se as propostas serão encaminhadas por meio de medida provisória ou projeto de lei, mas já está certo que terão caráter de urgência.

Uma migração em massa para a poupança pode gerar desequilíbrio nos mercados e até prejudicar a administração da dívida pública, já que os fundos são grandes negociadores dos títulos públicos. Além disso, o governo também não quer que o grande investidor fique isento de IR ao ir para a poupança.

O governo também não quer perder o prazo para aprovar a medida no Congresso, uma vez que um novo imposto só começará a valer no ano seguinte ao da sua criação. Ou seja, tem até o fim de 2009 para garantir a nova tributação a partir de 2010. Se aprovado, a imposto começará a valer no dia 1ode janeiro do próximo ano.

Barbosa usou como exemplo uma poupança com saldo de R$ 60 mil. O IR será cobrado sobre o rendimento (referente aos juros de 0,5%) que vier dos R$ 10 mil, ou seja, R$ 50. Neste caso, o poupador teria de pagar R$ 11,25.

O governo sabe que terá de enfrentar uma guerra no Congresso para tirar as medidas do papel e já chegou a pensar em alternativas.

Como mostrou ontem o GLOBO, uma delas poderia ser a determinação de que o IR seja cobrado apenas para as novas cadernetas.

O anúncio do envio do projeto gerou surpresa no Congresso. O líder do PMDB na Câmara, deputado Henrique Eduardo Alves (RN), disse que pedirá hoje a Mantega informações.

— Queremos os argumentos para justificar essa medida, num assunto muito sensível — disse Alves.

— O PT se transformou no Partido dos Tributos. Se há o problema da migração, por que não baixam o IR do outro lado, dos fundos? — disse, em plenário, o vice-líder do DEM na Câmara, Paulo Bornhausen (SC).

— Um governo, que é tão preocupado com factóides positivos, vai entrar em ano eleitoral com factóide negativo? — disse Arnaldo Madeira (PSDB-SP).

— Não vejo polêmica. A necessidade da tributação da poupança decorre da queda dos juros — afirmou, por sua vez, o vice-líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR).

A decisão de enviar o projeto também pegou especialistas de surpresa.

Para o matemático José Dutra Sobrinho, as medidas não resolvem o problema da TR caso a Selic caia abaixo de 8,75%: a taxa pode ficar negativa por causa de seu sofisticado cálculo, que usa um redutor sobre a taxa média dos CDBs dos maiores bancos. Isso resultaria em uma rentabilidade inferior a 0,5% ao mês para a poupança.

Colaboraram: Cristiane Jungblut e Geralda Doca

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