segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Independência e Cidadania

Editorial
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

A pátria, a “família amplificada”, na expressão de Rui Barbosa, seria a mãe gentil que descortina a liberdade no horizonte dos filhos – pelo menos é assim na letra do hino que celebra a Independência do Brasil. Mas na passagem de mais um Sete de Setembro, vale questionar se a brava gente brasileira de fato vê distante o tal “temor servil”. A letra de Evaristo da Veiga, escrita, segundo consta, no mesmo dia da famosa declaração de dom Pedro I às margens do Ipiranga, traz como refrão a escolha, então já resolvida, no grito: “Ou ficar a pátria livre/ Ou morrer pelo Brasil”. Passados 187 anos de independência formal, a liberdade forjada na rebeldia de um filho, herdeiro da corte, à época um príncipe com 24 anos incompletos, não foi distribuída a todo o povo. Evocá-la permanece um dever para os que se debruçam sobre a inconclusa tarefa de libertação. A rigor, na transformação dos súditos da monarquia independente, liberta de Portugal, em cidadãos da República, proclamada mais tarde, em 1889, o lema libertário também foi mais um conceito – como em propaganda – do que ideal disseminado pelo desejo ou pela luta.

Se a liberdade se mostra no horizonte que se estende diante da pátria – e portanto diante de todos e de cada um – qual o horizonte permitido a milhões de brasileiros hoje? A persistência de um modelo econômico excludente, abençoado por séculos de governos patrimonialistas, resultou numa das sociedades mais desiguais do planeta. Infelizmente, como é no terreno da desigualdade que brotam as falácias do populismo e do assistencialismo, em diversas ocasiões temos andado para trás, em vez de avançar coletivamente.

Enquanto o quadro desigual perdura, são poucas as razões para comemorações no Sete de Setembro. A educação continua um privilégio, ou pior, uma exceção: as crianças não gostam de ir à escola e os pais não fazem questão, não cobram ensino de qualidade. A escola virou, quando muito, lugar de merenda, para a maioria das crianças. A lição ansiada, sem metáfora, é um prato de comida. A assistência à saúde é dramática na rede pública, e não menos problemática para a classe média, que dispõe dos convênios e da rede privada. Nos surtos de doenças, em crises epidêmicas, o sistema de atendimento vai à beira do colapso, generalizando o terror. Em relação à segurança, quantos cidadãos teriam coragem de dizer que se sentem livres para ir e vir, mesmo nos limites de uma fração da generosa extensão do território nacional? Sair de casa sem medo e voltar sem susto constitui reivindicação antiga da população.

Educação, saúde e segurança são direitos consagrados na Constituição, que fundamentam a liberdade, alicerçam a cidadania e que estão presentes, ao longo da história dos povos, no imaginário da independência. Por tradição, comemoramos a data nacional, como se dá nos Estados Unidos e na França, nos dias 4 e 14 de julho, respectivamente. Mas no Brasil a cidadania pode brindar a independência?

Com 40 milhões de indivíduos encapsulados por um programa governamental de assistência financeira cuja controversa eficácia põe em xeque o próprio significado da liberdade, a “pátria mãe gentil’ parece ceder lugar ao “pai governo”, que não alarga, pelo contrário, faz o horizonte dos beneficiados se estreitar. Acumulam-se as evidências de que se trata apenas de novo símbolo de dependência: o Bolsa Família reafirma essa liberdade viciada, inaugurada pelas capitanias hereditárias. O eco do grito estilizado do príncipe regente, a cavalo, espada em punho, pode não ser a melhor inspiração para a busca de um Brasil mais justo. Mas no País dos contrastes, continua necessária, a ponto de se fazer urgente, alguma forma de rebeldia: desde o antigo paraíso colonial, a aquarela desbota a olhos vistos, e a identidade que se liga à liberdade é menos uma conquista histórica a ser lembrada, do que o sonho de uma nação longe de estar pronta.

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