domingo, 13 de setembro de 2009

A maldição da pressa

Alberto Dines
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)


As análises políticas costumam descartar fatores psicológicos ou emocionais. Como se a política fosse exercida por super-homens desprovidos de sentimentos, subjetividades ou fragilidades. Como se a disputa pelo poder – objetivo prioritário da competição partidária – fosse dominada exclusivamente pela racionalidade, pela coerência programática e pelo desprendimento pessoal.

Não é, nunca foi. Principalmente em ambientes e sociedades onde o confronto de idéias e as próprias idéias são permeadas por paixões, contradições, reversões e improvisações – caso brasileiro. Nossa política raramente tem alguma lógica, dominada pela ilógica, pelos espasmos, estalos e voluntarismos.

Uma avaliação psicanalítica dos grandes momentos da nossa vida política – sobretudo em tempos sobre os quais temos informações mais precisas – ofereceria um fascinante repertório de neuroses, delírios, depressões, ciclotimias, vacilações e até covardias. A um ano das eleições presidenciais, quando o tabuleiro de xadrez já deveria estar arrumado e minimamente ordenado, o ambiente psicológico parece ainda tumultuado e precário. Protagonistas agem como coadjuvantes e estes mal cabem em seus papéis. Sequer completaram o ciclo de ensaios.

Impera a pressa. A afobação é péssima conselheira e, não obstante, comanda o espetáculo. O problema, na verdade, está no próprio espetáculo, concebido por obrigação, sem criatividade, com jeito de reprise, falto de inspiração.

O dono da bola, senhor absoluto da situação, neste exato momento parece a reboque dela. O presidente Lula iniciou o ano empunhando a batuta e abancado no pódio. Sua partitura parecia perfeita, minuciosamente arranjada, tudo previsto, ponderado. Galantemente rejeitara a idéia do terceiro mandato e, em compensação, esmerou-se em reunir um formidável arsenal de armas para fazer o seu sucessor, ou sucessora. Tinha uma bandeira (o PAC, Programa de Aceleração do Crescimento), uma imbatível base política (o PMDB), gozava de uma privilegiada situação econômica (num mundo assolado por uma das piores crises dos últimos 100 anos), era dono de um tesouro submarino (as reservas petrolíferas do pré-sal) e gozava de uma extraordinária popularidade. Inclusive no âmbito internacional.

Lula era indiscutivelmente “o cara”. Moedas, porém, são instáveis, quem era cara agora é coroa.
O script desandou: na pressa perdeu as sutilezas e sem sutilezas passou a ser executado na base de simplificações. Visível e previsível. O exercício político reclama algum mistério e discrição, magia. Ilusionistas e prestidigitadores adoram aplausos, mas não podem ceder à vaidade, é proibido expor os truques enquanto são executados.

A sedução pelo PMDB foi tão alardeada ao longo da crise Sarney que pareceu fingida e suspeita. A base aliada deveria ser cimentada em torno do PT, o partido do governo, mas o PT hoje é menos festejado do que o PRB ou o PP. A idéia do crescimento acelerado foi convertida numa difusa tabela de obras sem nexo e bandeiras. O prometido canteiro de obras empolga por enquanto apenas os convidados para as inaugurações das placas. Sua façanha maior foi a de atropelar a ala dos ambientalistas chefiada por Marina Silva. Ninguém lamentou a perda, ser governo ensinou ao Partido dos Trabalhadores a dolorosa técnica de engolir o choro e desfazer-se em silêncio dos seus ativos morais mais valiosos.

Tudo sai pela culatra, parece até combinado. A tão ansiada compra da frota de supersônicos que merecia ser apresentada como opção de um Estado maduro, moderno e responsável acabou convertida numa quermesse de trabucos, atabalhoada e capipira

Culpa do roteiro ambicioso, culpa de um calendário de repente encurtado, culpa do excesso de palpiteiros, culpa do divã. Ou melhor, culpa da falta de um divã onde as almas abrasadas pela pressa e pela onipotência possam ser submetidas a algum tipo de descompressão. Para ajudar o PAC conviria adotar o PDE, Programa de Desaceleração dos Espíritos. Em altas velocidades, a fadiga dos materiais é mais evidente.

» Alberto Dines é jornalista

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