quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Militância quadrilateral

Marcelo Mário de Melo
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)


1– Para que se conquistem mudanças profundas na república brasileira, sintonizadas com as necessidades da maioria da população e impulsionadas pela sua mobilização, é preciso mudar o padrão atual da militância de esquerda, fundado na absolutização dos processos eleitorais e nos arranjos de cúpula característicos da política tradicional. Nessa construção, coloca-se o desafio de um encontro de contas com o passado recente, recolhendo-se as experiências e análises que fecundam uma nova perspectiva e rejeitando-se aquelas que, à esquerda e à direita, induzem à repetição de velhos erros e alimentam a mesmice.

2 – São abundantes as pesquisas e análises sobre o perfil atual da sociedade brasileira nos seus aspectos econômicos, sociais, culturais, psicossociais, demográficos, regionais, organizacionais - estatais, civis, formais, informais e marginais. Em muitas delas se revelam realidades e vertentes com potencialidade para a geração de novas articulações políticas. Mas esse conhecimento não chega aos arraiais da esquerda. E estabelecer o traço de união é um segundo desafio que se impõe.

3 – A ação militante deve compreender a rejeição da fome, do raquitismo político, da subnutrição cultural e da corrupção visceral, sob o fundamento da elaboração crítica e do desdobramento de propostas em torno de cada um destes aspectos, e considerando as esferas do programa, da estratégia, da tática e da política de organização. Este é o alcance da militância quadrilateral.

4 – A fome, num conceito expandido, refere-se não só ao alimento, mas a todos os tópicos inscritos entre os direitos sociais e as políticas públicas, como emprego e renda, habitação, saúde, educação, cultura, seguridade, etc.

5 – O raquitismo político diz respeito às limitações e deformações que marcam a representação popular e o controle civil nas esferas estatais, nas instâncias e ocorrências da sociedade civil, como o processo eleitoral, a vida partidária, as estruturas sindicais e associativas, os movimentos sociais e comunitários.

6 – A subnutrição cultural, por um lado, expressa o bloqueio à população do acesso aos bens de cultura e a ausência de uma política cultural voltada para assegurá-los, numa rede de equipamentos públicos básicos e obrigatórios, a partir do município, a exemplo do SUS. Os debates culturais de hoje são centrados nas reivindicações dos segmentos da produção cultural, profissional e amadora, individual e grupal, deixando-se ao largo as necessidades e os direitos culturais dos cidadãos. No âmbito da militância, é necessário incrementar o componente teórico na análise e na formação política, a partir do conhecimento da realidade nacional e internacional e da articulação com a intelectualidade de esquerda.

7 – A corrupção visceral caracteriza o tradicional comportamento predatório e corrupto das classes dominantes ante o patrimônio público, à frente das instâncias do poder.

Paralelamente, esses mesmos setores, ao longo da história brasileira, colocando o lixo debaixo do tapete e tentando ocultar os seus rabos de palha, têm levantado a bandeira da moralidade, como forma de desviar a atenção e confundir o debate político, sempre que sentem alguma ameaça aos seus interesses econômicos ou aos seus esquemas políticos. Mas marcando a distância ante esses expedientes, típicos da velha UDN e do udenismo, coloca-se para os militantes de esquerda e socialistas, a exigência inarredável de uma postura vigilante, nítida, exemplar, substanciosa e prática, no que se refere aos bens públicos ou coletivos. O combate à corrupção das classes dominante integra o ideário socialista e não pode ser descartado. A denúncia das mordomias foi um dos componentes da luta democrática contra a ditadura de 1964 e mantém a validade. O peleguismo renitente, enraizado na Era Vargas, precisa ser enfrentado em suas variantes atuais e nas irradiações para além do movimento sindical.

8 – Esta é uma pauta para discussão, traçada em linhas gerais, que requer desdobramentos e especificações. E aí se destaca, entre outros tópicos, a situação da juventude e a sua mobilização política.

» Marcelo Mário de Melo é jornalista, foi militante do PCBR e atualmente assessor da Fundação Joaquim Nabuco

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