sexta-feira, 25 de setembro de 2009

O Itamaraty e seu aliado, Zelaya

Francisco C. Weffort
DEU EM O GLOBO


Para quem observa a política externa brasileira, a entrada escandalosa de Manuel Zelaya em nossa embaixada em Tegucigalpa só teve, até o momento, um efeito: o de fazer esquecer o novo fracasso do Itamaraty, derrotado nas eleições para a direção da Unesco. Como se sabe, mesmo quando se cogitava de um candidato brasileiro, Márcio Barbosa, vice-diretor geral da Unesco, o Itamaraty passou a apoiar o egípcio Farouk Hosni. Mas venceu a embaixadora búlgara Irina Bokova, cujo nome só chegou ao conhecimento do distinto público no Brasil depois das eleições.

Minha pergunta é a seguinte: o Itamaraty é mal informado? Ou, supondo-o bem informado, faz por mal informar o público brasileiro? Como outras, essa nova derrota do Itamaraty parece ter pouca importância no Brasil.

Até porque não há nenhuma segurança de que o egípcio fosse melhor que a embaixadora.

O caso de Manuel Zelaya, também confuso desde o início, é, porém, um pouco diferente. E agora pode, com a sua espetacular entrada na embaixada brasileira em Tegucigalpa, envolver algum risco. Ao que se sabe, a Constituição de Honduras é rigidamente contrária à renovação de mandatos de presidentes.

É contrária mesmo à realização de consultas populares a respeito. Mas, seguindo uma tendência que se ampliou depois de Chávez, da Venezuela, o então presidente Manuel Zelaya que, como vemos agora, é de uma teimosia incontrolável, insistiu em realizar uma consulta popular visando a abrir caminho para um novo mandato. Para realizar a consulta, designou o chefe do EstadoMaior das Forças Armadas e este, alegando inconstitucionalidade da ordem presidencial, recusou-se a obedecer.

Zelaya o destituiu do cargo. O caso foi então julgado no Parlamento, que decidiu destituir Zelaya da Presidência, e determinou que fosse substituído pelo então presidente do Congresso, Michelletti.

Assumindo a Presidência, Michelletti expulsou Zelaya do país. Contra o expresidente foi elaborada uma longa lista de acusações e uma ordem de prisão em caso de regresso. Zelaya, porém, teve enorme êxito em difundir, sem margem para contestação ou dúvida, a notícia de que teria sido expulso por um golpe militar. E muitos passaram a defendê-lo em nome de uma Constituição que, segundo seus acusadores, ele próprio não respeitava. Teria sido mesmo um golpe militar? É difícil decidir de fora sobre essa questão.

Em todo caso, quando se revisam os fatos com alguma distância, percebese que há uma grande confusão em todo este problema hondurenho. Aliás, tudo é muito estranho nas histórias em torno de Zelaya.

Mais confusa, porém, do que a sua queda do governo foi a chegada de Zelaya à embaixada brasileira. Depois de perto de um mês buscando a atenção da mídia em diversos países, ele decidiu alojar-se na Embaixada do Brasil em Honduras, invocando a proteção de Lula e tecendo loas ao ministro Amorim e ao assessor Marco Aurélio Garcia. Vejamos, porém, alguns detalhes do périplo que realizou para chegar lá. Zelaya partiu da Nicarágua em um avião da Venezuela, parou em El Salvador, onde carros o esperavam para levá-lo a Tegucigalpa, de onde havia sido expulso e era, supostamente, procurado pela polícia.

São muitas as perguntas que se colocam: só Zelaya sabia destes planos? Ninguém mais sabia disso na Venezuela? Nem na Nicarágua? Ninguém sabia disso em El Salvador, onde o esperavam alguns carros? E a pergunta mais importante para nós: tendo Lula visitado recentemente a América Central, nenhum funcionário ou autoridade brasileira tinha conhecimento prévio disso?
O único ponto claro dos planos de Zelaya é que ele continua em campanha para reassumir a Presidência de Honduras. Se isso acontecer, por que haveria ele, reconduzido então “nos braços do povo”, como costumam dizer os políticos, de deixar de lado seu sonho continuísta? Ele disse que entrou na embaixada brasileira sob a “proteção do presidente Lula”. Mas que significa isso se ele já declarou que não aceita pedir asilo? Aliás, neste detalhe, ele tem razão: se o que ele quer é voltar à Presidência do seu país, sua presença na embaixada só lhe será útil se ele não for um asilado. O que, evidentemente, cria para o Brasil um enorme problema.

Estar na embaixada serve a Zelaya para criar um novo ponto de atração para os jornalistas, atraídos pela figura que se pretende romântica do “rebelde latino”, com seus bigodes tingidos de negro e seu enorme chapéu texano.

Além disso, ele ostenta (sempre que pode) as aparências de uma vítima de golpe militar. O que o atrapalha neste aspecto é que vai ficando nítido aos olhos de quem quer ver que ele é apenas um fazendeirão, “um hacendado” tão rico e tão reacionário quanto os examigos da oligarquia que o expulsou do poder. Seu objetivo na embaixada é só um, o de encontrar uma brecha nas eleições de seu país, em novembro, eleições das quais, como ex-presidente, não tinha como participar.

Uma pergunta final: e o Brasil como fica nesta trapalhada toda? Como já disse o senador Heráclito Fortes, Zelaya transformou a embaixada em seu escritório político, pondo nosso país no meio de uma confusão sem tamanho.

Michelletti cobra do Brasil que caracterize a condição de Zelaya como asilado ou que o entregue à polícia hondurenha, já que há mandado de prisão contra o ex-presidente.

Neste sentido, é sintomático o apelo de Lula a Zelaya que não faça nada que possa provocar a invasão da embaixada pelo governo. É que, se por desgraça isso vier a ocorrer, a desmoralização do Brasil no incidente se tornará inevitável.

À distancia de apenas dois meses das eleições em Honduras, mandar tropas para proteger um demagogo como Zelaya é algo impensável. Não fazer nada é também absolutamente constrangedor.

Daí o apelo do Itamaraty ao Conselho de Segurança das Nações Unidas.

É o que resta para salvar a face. Tirar as castanhas do fogo com a mão do gato.

É, aliás, o que sempre resta a fazer quando se trabalha com uma política externa como a nossa, na qual a marquetagem dos governantes se sobrepõe aos interesses do país.

Francisco C. Weffort é sociólogo.

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