terça-feira, 15 de setembro de 2009

O sermão dos mercados

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Obama, nos EUA, e Sarkozy, na França, mordem e assopram mercados no aniversário da megalambança financeira

NO ANIVERSÁRIO simbólico da megalambança financeira, Barack Obama e Nicolas Sarkozy foram aos púlpitos presidenciais para fazer o sermão dos mercados. Obama pregou para os ouvidos de mercador de Wall Street. Queixou-se de que a banca faz lobby a fim de derrubar as conservadoras reformas das normas financeiras que seu governo propôs, logo essa banca que recebeu um monte de dinheiro para não ir à breca. Disse ainda que Wall Street tem a "obrigação" de contribuir para que a prosperidade econômica seja mais bem dividida.

Sarkozy queixou-se de que "a religião dos números" econômicos distorce a realidade do progresso social (ou da falta dele). Tal fetichismo, diz Sarkozy, seria no final das contas um "culto ao mercado". Sugeriu medir um "PIB da felicidade".

Em meio às salvas de canhão, ou melhor, de sermão, vinham as ressalvas. "Certamente não concorri à Presidência para salvar bancos ou para intervir nos mercados de capitais", disse Obama. "O mercado, no qual acredito, não é portador de sentido de responsabilidade, de projeto, de visão", assoprou Sarkozy. Enquanto isso, os mercados retornam, dia a dia, ao "business as usual".

A ira popular e populista contra banqueiros e cia. vai passando nos EUA. Não redundou em nenhum protesto político organizado contra o "modelo de negócios" americano. Pelo contrário. A conjunção da crítica popular ou populista ao pacote de saúde de Obama com o esfriamento da crise provocou na verdade uma onda de protestos contra o "socialismo" do presidente americano. Não que, obviamente, se esperasse uma revolta nos Estados Unidos.

Mas a contrarreforma da saúde ajudou a refrear impulsos críticos ao, vamos repetir, "modelo de negócios". Mesmo o desemprego alto não redundou em protesto público maior; duas décadas de alto nível de subemprego talvez crônico tenham acostumado os perdedores à precariedade. O alto nível de renda da maioria e a marginalização dos pobres, enfim uma minoria mesmo, ajudam a acalmar o ambiente. Cortes de impostos, subsídio ao consumo e outros gastos públicos, além da doação de dinheiro à banca, atenuaram a crise e algum impulso crítico residual.

Na Europa, os seguros oferecidos pelo Estado (sociais, ao mercado etc.), o também alto padrão de vida etc., amorteceram a crise em ambientes politicamente mais carregados, o caso exemplar sendo a França. Nem "maus exemplo de fora houve". Não há "clamor das ruas" por mudanças. Mais da metade dos parlamentares democratas é mais conservadora do que Obama.

O debate nas elites políticas, sociais e intelectuais, ou ao menos do que disso escorre para a mídia, é tão bitolado pelo pensamento dominante nas duas últimas décadas que economistas convencionais como Paul Krugman, são tidos quase como radicais perigosos. Mas tais elites viram que o caldo engrossou em setembro de 2008 e querem consertar os encanamentos, mas não mudar de casa. Haverá mudanças apenas se a casa voltar a pegar fogo; e caso falte água nos hidrantes.

Foi nesse ambiente que Obama e Sarkozy fizeram seus "sermões de saída" da crise, com o recado: "Ok, Wall Street, vocês vão vencer de novo. Mas não esculachem".

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