quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Pequenas, grandes e médias traições

Maria Inês Nassif
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Prognósticos sobre o que fará o PMDB nas eleições de 2010 são perda de tempo: desde 1989, quando o legendário presidente do partido, Ulysses Guimarães, candidatou-se à primeira eleição direta para presidente da República depois da ditadura, a história do partido é uma crônica de pequenas, grandes e médias traições. Mas a história recomenda que se descarte uma hipótese: a de que o partido vai ter um candidato a presidente da República. As divisões internas impedem isso desde 1994, quando a agremiação lançou candidato pela última vez; e os interesses dos grupos em litígio interno não passam necessariamente por fazer um "projeto nacional" com uma candidatura própria, como recomendou aos líderes o presidente do Ibope, Carlos Augusto Montenegro, na semana passada.

Em 1989, primeiras eleições diretas para presidente da República, Ulysses foi o candidato do partido porque fracassou a tentativa do então presidente José Sarney e de Orestes Quércia de puxarem o seu tapete. Ser candidato a presidente era quase um direito adquirido por Ulysses, comandante da oposição institucional ao regime em quase todo o período militar; o poder de Ulysses já estava em declínio, mas ele ainda tinha a maioria do partido. A candidatura do mestre, no entanto, foi abatida em pleno voo pelo eleitor, com a ajuda inestimável dos grupos internos do partido. A agremiação, a mais organizada nacionalmente e reconhecida como a que resistiu à ditadura (era o único partido de oposição, consentida, no período 1964-1982), chegou em sétimo lugar, com menos de 5% dos votos, no pleito em que foram para o segundo turno os candidatos Fernando Collor (PRN), vitorioso, e Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Quércia, senador (1974-1982), vice-governador (1983-1986) e governador (1987-1992) de São Paulo impôs a partir daí um estilo que se consagrou como hegemônico: o dos "golpes de mão" - ofensivas rápidas e de surpresa para tomada do poder. As convenções nacionais do partido passaram a ser palco de várias deles. O ex-governador paulista, faça-se justiça, nem sempre derrota - pode também ser o derrotado; nem sempre golpeia, mas pelo esquema de poder interno pode ser - e tem sido - golpeado.

Foram os golpes de mão os mecanismos de destituição de lideranças, ascensão à hierarquia partidária, apoio a candidatos de outras legendas ou eliminação do quadro eleitoral de seus próprios candidatos. A tática não muda, já que as regras de poder são geridas pela lei partidária e pelos estatutos do partido: um grupo obtém a maioria dos convencionais e intervém em favor de uma diretriz nacional que, antes de tudo, atende aos interesses particulares do grupo que se torna majoritário para vencer o adversário na convenção.

Em 1991, o primeiro golpe de mão colocou o então governador Orestes Quércia no centro do poder do PMDB. Ele disputou a convenção nacional como um esquema agressivo de arregimentação de votos dos convencionais e uma ruidosa claque, que manteve uma tensa ameaça de confronto físico durante todo o evento. Em 1993, renunciou à presidência nacional do partido denunciando traição de seus adversários. A partir de então, manteve uma parcela de poder interno com base nos votos de convencionais paulistas na convenção nacional, que eram capazes de, em aliança com outros grupos, impedir ou favorecer a ascensão de um grupo interno.
O quercismo entrou em declínio e o PMDB paulista tem sido engolido pelo PSDB, nascido da sua costela - aliás, hoje é praticamente um nanico em São Paulo, com seus três deputados federais e quatro estaduais. No Estado, Quércia divide o partido em declínio com o presidente licenciado do partido e presidente da Câmara, deputado Michel Temer, do grupo nacional rival.

É mais fácil para cada um dos grupos que rivaliza dentro do PMDB impedir que o candidato de uma facção rival oficialize sua candidatura numa convenção, do que entrar num acordo nacional para lançar um candidato próprio. Essa história se repetiu em 1998, em 2002 e 2006 porque não existe hipótese de o partido viabilizar um consenso em torno de um candidato seu. Para impedir uma candidatura basta que grupos rivais façam uma aliança de ocasião ou usem os mecanismos que estiverem a seu poder para inviabilizar uma decisão na convenção - pela justiça, pela desmoralização pública do candidato ou pela ameaça de confronto físico em convenção. Para consagrar um candidato, é preciso uma mediação dos conflitos internos - e, mais do que isso, os grupos têm que abrir mão dos benefícios pessoais que poderiam negociar com os candidatos de outros partidos. Não existe essa hipótese em vista. Seria preciso também que tivesse um nome conhecido nacionalmente - e o PMDB carrega a contradição de ainda ser o partido com maior organização nacional, mas sem um único líder que tenha o mesmo tamanho.

Maria Inês Nassif é repórter especial de Política. Escreve às quintas-feiras

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