segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Recuperação econômica - a hora da verdade

Luiz Carlos Mendonça de Barros
DEU NO VALOR ECONÔMICO


O gráfico neste artigo reproduz o padrão dos indicadores de atividade nos Estados Unidos e na Europa ao longo da crise que vivemos. Nele podemos identificar os três grandes movimentos que ocorreram a partir de julho de 2007, quando a crise do chamado "subprime" começou a ser precificada pelos mercados.

Na primeira etapa- que vai até o inicio de 2008 - o crescimento vigoroso que ocorria no mundo se desacelera e as economias americana e europeia entram em estagnação. Em um segundo momento - a partir de março de 2008 - inicia-se uma contração da atividade que vai até o fim do primeiro trimestre de 2009. A inclinação desta parte da curva acelera-se a partir do colapso do banco Lehman Brothers em setembro.

Finalmente, em abril deste ano, inicia-se uma fase de recuperação, com os indicadores da indústria e do setor de serviços mostrando um crescimento acelerado. O leitor pode identificar claramente que a recuperação segue o padrão em V, tantas vezes citado pela imprensa. Não por outra razão os mercados de ações também apresentam uma recuperação com o mesmo desenho. Nada de bolha especulativa como muitos defendem, mas apenas um movimento racional de resposta ao que ocorreu no lado real da economia.

Temos hoje uma visão clara do que aconteceu com a economia mundial a partir de setembro do ano passado. O setor privado entrou em pânico, mas as ações corajosas da maioria dos governos conseguiram reverter esta situação irracional. O volume de recursos mobilizados pelos bancos centrais mais importantes foi suficiente para evitar que o colapso dos mercados financeiros arrastasse o mundo para uma verdadeira depressão. Da mesma forma, os recursos fiscais liberados pelos governos criaram uma força anticíclica importante para compensar a redução dos gastos privados.

Com esta ação decisiva do setor público, a demanda final ficou acima da que estava implícita nos planos de produção da maioria das empresas. Os estoques caíram a níveis insustentáveis e a resposta racional foi a de voltar a aumentar seus níveis de atividade. O pânico nas empresas foi muito maior do que o vivido pelos consumidores neste conturbado período que vai de setembro de 2008 até março de 2009.

Chamo agora a atenção do leitor do Valor para a parte final do gráfico acima. Ela mostra as três possibilidades que existem hoje para a trajetória futura das economias mais avançadas. Embora ainda seja cedo para identificar com mais clareza qual dos ramos da curva vai prevalecer uma coisa é certa: a recuperação em V já é coisa do passado. Como dissemos anteriormente, a volta da atividade produtiva dos últimos meses esteve diretamente ligada ao descompasso entre a produção e a demanda final que ocorreu no período pós Lehman Brothers. Os gastos do consumidor, a nível global, ficaram praticamente estáveis mas empresas privadas agiram como se o mundo tivesse acabado. Cortaram agressivamente a produção e reduziram seus estoques a níveis muito baixos, o que as obrigou depois a aumentar o ritmo de produção.

Nos próximos meses viveremos uma situação diversa, com a atividade produtiva correndo de forma mais alinhada à demanda. Nada mais natural que ocorra uma redução no ritmo de crescimento da produção, ou mesmo uma pequena queda. Nesta nova dinâmica será o comportamento do consumidor que deve definir o ritmo de atividade econômica em 2010. Por isto os olhos dos analistas estão voltados para o mercado de trabalho, principalmente os dados de emprego e de renda dos salários. Será fundamental que ocorra uma estabilização do emprego até o fim deste ano e até o momento os dados caminham nesta direção.

Também serão importantes as informações relativas ao mercado imobiliário, pois o valor das residências representa parte importante no equilíbrio financeiro das famílias americanas. Nos últimos meses houve estabilização dos preços das casas e uma incipiente retomada de vendas que, se continuada, seria um forte elemento estabilizador.

Do lado monetário será preciso que ocorram sinais mais claros de um crescimento sustentado do multiplicador bancário. Até agora a expansão monetária provocada pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano) permitiu a redução dos spreads e a volta das emissões de títulos de dívida privada. Mas o financiamento bancário permanece restrito tanto para consumidores e para empresas. Sua normalização é importante para que a economia volte a funcionar de maneira sustentada. Por isto acompanho com cuidado as estatísticas relativas ao M2 americano, que são divulgadas todas as quintas-feiras. De outro lado, o sucesso do Fed em aumentar o multiplicador bancário será acompanhado da intensificação do debate já em curso sobre sua "estratégia de saída", isto é, a retirada do que pode vir a se configurar como um excesso de liquidez no sistema bancário. Certamente este será um desafio capaz de trazer volatilidade aos mercados em 2010.

Por fim, também faz parte desta equação os próximos movimentos do governo em relação aos estímulos fiscais criados durante a crise. Esta transferência fiscal tem sido importante para evitar a redução dos gastos em um momento em que o consumidor está sendo obrigado a reduzir seu endividamento. A possibilidade ou não de um segundo pacote fiscal vai fazer parte da agenda do mercado nos próximos meses. Sem uma ação mais decisiva, até o final de 2010 deve ocorrer um aperto fiscal por conta do término de vários programas de redução de impostos, inclusive os criados no início do governo Bush.

Ainda não tenho segurança para fazer uma escolha final da trajetória de crescimento. Minha intuição é que teremos uma inclinação compatível com um crescimento de 1,5% a 2% para o ano de 2010 nas economias dos EUA e da Europa. Neste cenário, o mundo emergente teria condições para continuar a crescer a taxas próximas a 5% ao ano. No momento adoto um viés de alta para estas projeções, mas sua realização depende dos fatores acima chegarem a bom termo nos próximos meses.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações. Escreve mensalmente às segundas.

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