quarta-feira, 30 de setembro de 2009

TCU manda parar 41 obras federais e irrita Planalto

Leonencio Nossa, Brasília
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Além de indícios de irregularidades, tribunal aponta problemas ambientais

O Tribunal de Contas da União recomendou a paralisação de 41 obras federais, em atitude que causou irritação no Planalto. A recomendação atinge 13 obras do Programa de Aceleração do Crescimento - pilar da campanha da ministra Dilma Rousseff à Presidência. Embora representem só 0,5% do PAC, essas obras envolvem recursos de R$ 7,38 bilhões. O TCU indicou superfaturamento e pagamento por serviços não prestados. Além disso, o tribunal decidiu fiscalizar aspectos ambientais e constatou precariedade do acompanhamento do Ibama no processo de licenciamento. O relatório aponta outros 22 empreendimentos com indícios de irregularidades graves, com a sugestão de retenção parcial de valores, mas sem recomendar suspensão. Nesse caso, aparecem 16 projetos do PAC.

Ministro critica "anomalia"

O ministro Paulo Bernardo (Planejamento) disse que o TCU incorre em“anomalia” no exercício de suas funções, ao "dizer ao Executivo o que deve ser feito". Já a ministra Dilma Rousseff pediu cautela na análise dos indícios de irregularidades.

TCU veta 41 obras e abre crise com Planalto
Marcelo de Moraes, BRASÍLIA

Em relatório de fiscalização de obras de 2009 apresentado ontem, o Tribunal de Contas da União (TCU) recomendou a paralisação de 41 empreendimentos do governo federal, incluindo 13 que fazem parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). A recomendação provocou nova crise no relacionamento do órgão com o governo federal. Especialmente pelo impacto direto no PAC, principal programa de obras do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e uma das molas da candidatura presidencial da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff.

As 13 obras do PAC que tiveram problemas graves apontados envolvem recursos de R$ 7,38 bilhões. Na prática, há cinco empreendimentos novos, pois os demais já apresentaram problemas em anos anteriores. Mas seu alcance é bilionário em pelo menos duas obras: a construção da Refinaria Abreu e Lima, no Recife (R$ 4,26 bilhões em recursos), e a modernização e adequação da produção da Refinaria Presidente Getúlio Vargas (Repar), no Paraná (R$ 2,56 bilhões).

Outras aparecem com frequência na lista de problemas detectados pelo TCU. A obra de reforma e ampliação do Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, é uma delas. Incluída no PAC, receberia R$ 3,8 milhões este ano, mas ainda não sanou problemas, como supostos sobrepreço, superfaturamento e pagamento por serviços não previstos no contrato.

Fora do âmbito do PAC, projetos de grande interesse do governo também entraram na lista do TCU, como a construção da fábrica de hemoderivados e biotecnologia, em Pernambuco, que tinha mais de R$ 135 milhões previstos no Orçamento deste ano. Com o mesmo problema aparece a implantação da linha 3 do metrô do Rio de Janeiro, que receberia R$ 65 milhões.

O relatório, apresentado pelo ministro Aroldo Cedraz, foi aprovado por unanimidade pelo órgão e será encaminhado para apreciação do Congresso. O texto não precisa ser seguido à risca, mas, normalmente, parlamentares aprovam a maioria das recomendações do TCU.

Além do lote de 41 obras com pedidos de paralisação, o relatório aponta outras 22 com indícios de irregularidades graves, com a sugestão de retenção parcial de valores, sem precisar de interrupção. Nesse caso, aparecem mais 16 projetos do PAC.

IMPACTO AMBIENTAL

O TCU decidiu fiscalizar aspectos ambientais e constatou precariedade do acompanhamento feito pelo Ibama no processo de licenciamento. "Verificou-se que o Ibama, entidade federal responsável pelo licenciamento de grande parte das obras fiscalizadas, não avalia e não acompanha sistematicamente os impactos ambientais das obras licenciadas", informa o relatório.

Segundo o documento, isso "induz à carência de parâmetros, padrões e critérios de avaliação no processo de licenciamento". E concluiu que "essa ausência de padronização pode ocasionar a elaboração de estudos de impacto ambiental de má qualidade".

Os técnicos do TCU identificaram melhoras em órgãos onde indícios de irregularidades apareciam com frequência. Tanto o relator Cedraz quanto o presidente do tribunal, Ubiratan Aguiar, reconheceram que houve esforço da direção do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) para reduzir a incidência de problemas. "A direção e técnicos do DNIT vieram aqui no TCU para trocar ideias e ouvir sugestões", afirma Aguiar.

Mesmo assim, o órgão aparece como a unidade do governo com o maior número de obras sob recomendação de paralisação. Foram 14 nessa condição e mais 6 com indicação para bloqueio parcial de recursos no total de 62 obras fiscalizadas. Isso representou uma proporção de 32% - menor do que nos anos anteriores. Esse indicador fica bem abaixo do órgão campeão de irregularidades, que registrou a marca de 80%. O título coube ao Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS). O TCU fiscalizou cinco obras do órgão e constatou problemas graves em quatro delas.

Órgão extrapola, ataca Paulo Bernardo

Segundo ministro, não cabe ao TCU dizer ao Executivo o que deve ser feito

Para não colocar a ministra da Casa Civil e gerente do PAC, Dilma Rousseff, em rota de colisão com o Tribunal de Contas da União (TCU), o Planalto escalou o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, para rebater o relatório sobre irregularidades nas obras do programa que é carro-chefe do governo.

"Temos de combinar com a Fifa para fazer a Copa em 2020", provocou Bernardo, referindo-se ao campeonato mundial de futebol, marcado para 2014 no Brasil. Indagado se estava fazendo ironia, Paulo Bernardo se explicou. "Estou falando de forma exagerada, mas não decidimos nada sobre a Copa de 2014 e já tem uma comissão no TCU. Já estão gastando dinheiro."

O ministro disse que o TCU incorre em "anomalia" no exercício de suas funções. "Muitas vezes, o TCU quer dizer para o Executivo o que deve ser feito. Isso não é função dele", afirmou. "A função dele é fiscalizar." Bernardo e Dilma deram entrevistas no Palácio do Itamaraty, onde participaram de reunião extraordinária do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) sobre o pré-sal.

Em tom moderado, Dilma reagiu à recomendação do TCU para suspender 41 obras públicas. Numa entrevista pela manhã, pediu cautela na análise dos indícios de irregularidades. "Temos de ter cuidado com a suspensão de obras. O que o TCU fala é em indício de irregularidades. O Congresso tem sido cauteloso nisso porque as obras paralisadas ficam mais caras quando são retomadas."

Na entrevista, a ministra ressaltou que "ninguém" compactua com irregularidades e é preciso resolver os problemas apontados pelo TCU. Ela comentou especialmente sobre obras de refinarias da Petrobrás citadas no relatório do órgão. Disse esperar que o TCU converse com a diretoria da estatal sobre os problemas apontados nas obras da refinaria Abreu e Lima (PE) e Presidente Getúlio Vargas (PR). "Acho que é necessária uma discussão do TCU com a Petrobrás."

Dilma relatou que, em recente encontro com o presidente do TCU, Ubiratan Aguiar, tomou conhecimento de relatório segundo o qual as obras do PAC apresentam menos problemas que as de outros programas.

"O PAC tem quase 2 mil obras. Sempre que o TCU diverge sobre alguma delas, a gente esclarece. Algumas vezes concordamos, outras discordamos. O que é preciso é sempre termos o direito de resposta, o contraditório", disse. "E acho que desta vez não vai ser diferente."

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